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domingo, 7 de agosto de 2016

Sem sustos, esperemos!


Há pessoas que somente cuidam excepcionalmente da casa quando vão receber visita. Casos assim, nem sempre se tratam de uma agenda de última hora. Acho que uma ocasião dessas serviu para cunhar o dito popular “varrer pra debaixo do tapete”. Tenho uma estória de família que contamos repetidas vezes nas rodas de riso e prosa. É de uma parenta distante que estava pra receber o pretendente – era como chamavam o rapaz que tinha intenção de namoro. Naqueles idos do século passado, todo namoro guardava um potencial de matrimônio. Manuela, querendo causar boa impressão, arrumou toda a casa e, ao final, já cansada tinha a última etapa da faxina a fazer na cozinha, já que nos outros cômodos, alguma sujeira tinha ido parar debaixo do tapete. É bom que o leitor mais jovem saiba que, naquele tempo em que se amarrava cachorro com linguiça, a cozinha era um dos espaços mais importantes das residências. Então, muito ansiosa e cada vez mais apressada, nossa já nem tão jovem moça resolveu arear as panelas somente de um lado – o que ficaria exposto quando arranjadas nas prateleiras de alto a baixo dos paneleiros. E assim fez.

Uma irmã traquina, enquanto Manuela se banhava e aprontava para a chegada do rapaz, resolveu se vingar de alguma amargura pretérita e, indo à cozinha, trocou o lado de todas as panelas fazendo com que o que era polido e brilhante ficasse fosco e feio. No auge dos salamaleques, a futura noiva apresentava a casa ao moço e se auto elogiava até que chegando à cozinha seu mundo desabou: _Era um pretume só, gente! ela contava, com alguma amargura, tempos depois em que continuava solteirona.Não tenho complexo de vira lata. Mas reconhecendo essa “emergência” da síndrome de Ricúpero – “O que é bom a gente mostra; o que é ruim, esconde.” – fico me perguntando quantas desculpas mais teremos de pedir ao mundo e informar que “É natural que haja ajustes a fazer.” (Eduardo Paes) em todas as obras dos Jogos. Não deveria ser preciso colocar cangurus, alces, suçuaranas e antílopes para que australianos, suecos, argentinos, quenianos e outros “se sentissem em casa”. Muito mais civilizado seria se as obras de infraestrutura estivessem concluídas, uma vez que o Rio fora escolhido para sediar a XXXI Olimpíada há quase oito anos.
Não é simplesmente deixar para a última hora, e mesmo assim – ou por isso mesmo – se atrasar. É mais. É fazer mal feito. O leque de motivos é muito mais amplo do que o utilizado pela parenta. Aqui tem a corrupção, tem a incompetência técnica, tem a proposital escolha de materiais mais baratos, tem a indolência, e, em tudo, tem a falta de respeito, sobretudo pelo que é público. Aliás, cá pra nós, que os estrangeiros não nos ouçam: como pode um dos legados da Olimpíada do Rio ser o mistério das vigas perdidas (há quase 3 anos) da perimetral? Parece ficção que o furto de 7 vigas de uma combinação especial de metais, somando mais de 200 metros, tenha, além de tudo, sumido também dos noticiários como que escondido debaixo do tapete. E nem se pode dizer que as autoridades responsáveis pela apuração do caso não tenham vergonha na cara, pois isso parece coisa tão bem distribuída no seio da sociedade que, nunca se ouviu alguém reclamar de que tivesse pouca.
Por poucas, mas acertadas, razões, torço para que estejamos tendo uma bela Olimpíada. Detestar saia justa – ao contrário do prefeito do Rio – é um dos motivos que me movem a desejar que tudo esteja bem. Receber mal em minha casa os convidados é outro.Nem sei quantos brasileiros comungam de um sentimento de temeridade frente à realização dos Jogos, mas preciso dizer que me sinto meio Manuela. Tomo pelos braços, amistosamente, milhares de pessoas do mundo inteiro e desfilo impávido e solícito pela casa mesmo sabendo de quase tudo que foi empurrado para debaixo do tapete.

Publicado na Estilo OFF - agosto/2016