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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

FELIZ REFLEXÃO


2015 está um ano difícil de fechar. Nem quero pensar nos restos a pagar, estou falando é de questões políticas e sociais. De uma espécie de débito que não há dinheiro que possa quitar, mesmo juntando o saldo de todas as contas que não são mais secretas na Suíça e em outros paraísos fiscais.
Vivemos um momento de confusão política e grave convulsão social. Está se tornando natural, na sociedade do whatsapp, o esgotamento físico e mental das pessoas como se todas, de repente, fossem acometidas pela síndrome de Bournout. Mas nem é exatamente isso que vejo na maioria. Observo um sentimento mais ou menos comum de que tudo agora vai mal, de que nesse ano o calor foi mais intenso, a inflação aumentou, a seca apertou, a chuva minguou, o guarda multou, o chefe enjoou... Vou batizar de síndrome do Imediatismo Intolerante esta sensação de que tudo parece, agora, pior do que já foi um dia.
Por esses dias, sinto no ar uma crise de expectativa social. Aliás, ela vem atravessando o ano como um lamaçal contaminado rompendo a barragem da censura pessoal e arrastando sentimentos, comportamentos e dores, às vezes inertes, depositados no inconscientee que, agora, desembocam nas “águas do mar da vida” como a lama contaminada de anos a fio. Fim de ano quase sempre é assim para muita gente:Foz do Rio Doce.
Nos momentos de grande agitação social, quando as pessoas de ordinário esbravejam opinião, geralmente sem muita reflexão, mas com bastante religiosidade, é que se pode observar o quanto a sociedade precisa melhorar. Sempre se soube que a educação oferecida em nossas escolas públicas e privadas, no geral, apenas reproduzem e vivificam a luta entre as classes e a guerra pela posse dos bens de produção e dos meios de comunicação. Mas agora, com as redes sociais, o tal efeito manada – pessoas curtindo e compartilhando os post sem ler nada e sem nenhum espírito crítico - é muito mais perceptível e nefasto. Estamos testemunhando, com sobra de evidências, o que afirmou o escritor Umberto Eco de que a internet tem dado o direito à palavra a uma “legião de imbecis”. Meus 17 leitores talvez queiram me crucificar por replicar essa opinião do filólogo italiano, mas observo boquiaberto o crescente grau de intolerância e de idiotice multiplicado pelas redes com grande capacidade de prejudicar a coletividade.
Final de ano não é somente balanço; é também renovação de propósitos. Por isso, convido todos a uma feliz refletir sobre a sociedade que queremos e como cada um de nós pode contribuir para construí-la, primeiro em si mesmo e, quem sabe, assim poder ser um exemplo para outros.
Refletir sobre o Brasil é pensar não apenas no país que desejamos, mas no que fazer para ter o país que queremos e precisamos.
A sociedade brasileira, para mudar o rumo, precisa menos fazer e mais deixar de incitar a esperteza nacional. Não podemos continuar a nos sentir o máximo porque instalamos“gato” a fim de pagar menos energia elétrica; por vampirizar a TV a cabo e a internet do vizinho; fraudar a declaração de IR para receber restituição; produzir mais lixo que o necessário e o atirar na rua; saquear cargas de veículos acidentados;beber e depois dirigir;avisar a todo mundo que tem blitz na rua tal; estacionar na vaga reservada a deficiente físico; pegar atestado médico sem estar doente, só pra faltar ao trabalho; casar com a nora separada para garantir-lhe a pensão; viajar a serviço da empresa e, se o almoço foi R$20,00 pegar uma nota de R$40,00; querer ofender os outros chamando-os de muçulmanos ou judeus, incitando o ódio religioso; entrar no ônibus, sentar e, se houver uma pessoa idosa, fingir que está dormindo; matricular o filho também na rede pública somente para se favorecer com o sistema de cotas; gastar mais do que ganha; vender o voto. (parte desta lista foi retirada de um vídeo em que uma nordestina dá uma lição impecável ao dizer que precisamos melhorar a sociedade para termos governantes melhores.)

Não temos somente idiotas nas redes sociais; mas eles são muitos, sim. Olhai e deletai.
Publicado na OFF-dezembro/2015.

sábado, 7 de novembro de 2015

RELAÇÃO ANIMAL

Em casa, quando nos referimos a pessoas que gostam muito de animais, dizemos que são cachorrentos. De tempos em tempos, tentávamos nos transformar neste tipo de gente. Tivemos algumas experiências mais ou menos longas ou curtas. Nem podemos dizer que desistimos definitivamente. Mas, quer saber? Hoje não trocaríamos a liberdade por algum latido ou miado peludo muito próximos de nós.
Fui criado numa conurbação como as que viraram os distritos no processo de urbanização do país nos anos de 1960. Era bastante comum em toda residência ter cachorros e gatos no quintal. Na casa de meus pais, além dos gatos – os nossos, os agregados e os visitantes -, também porcos, galinhas, patos e marrecos meus preferidos, pois via neles algo para além da estimação.
Naquele tempo, não havia os pet shoppings que abundam como farmácias e templos religiosos. Comprar produtos para cuidar da beleza e da saúde dos animais não era muito corriqueiro. A coisa era caseira. Comumente caninos e felinos de pequeno porte frequentavam as penteadeiras das casas em meio a escovas, talcos, perfumes e cremes de suas donas, ou das nossas mães, irmãs e tias (nesse caso, sorrateiramente). Quando adoeciam, o diagnóstico era ordinário; o tratamento de rodelas de sabugo de milho enfiadas num cordão preso ao pescoço a fim de combater a tosse e espantar a rabugem era o que se tinha. Claro que não combatia e nem espantava nada e também nenhum mal fazia. A gripe e a sarna iam e vinham quase ao sabor do acaso.
Incomum também era o comércio desses animais que, em geral, tinham seus filhotes doados ou então afogados no rio. Mas já se viam perambulado nas ruas caninos sem teto que para se alimentar viravam as latas de lixo em busca dos restos e de um apelido que lhes designasse o pedigree. Fosse agora, já não os alcunhariam viralatas, mas rasgassacos. Os felinos domesticados sempre foram mais discretos e sutis. Afinal, uma refeição possível quase sempre cantava dentro das gaiolas penduradas nos pregos das paredes ou inadvertidamente posta à mesa.
Gosto de observar este fenômeno crescente do cachorrismo. Às vezes, confundo-o com a sanha da criação de necessidades típica do capitalismo. Entretanto, vejo que a raça humana tem essa compulsão por relação animal. A transformação histórica é que me chama muito a atenção. Há franca evolução do conceito de domesticação. O vínculo está deixando de ser utilitarista, isto é, uma associação de interesses objetivos do tipo: preciso de seu papel e em troca dou algo que você necessita para sua sobrevivência. Caminha-se a passos largos para um novo contrato: a convivência por estimação.
Vejo uma forte razão para essa mudança: o processo de urbanização extremada. Os que têm hoje a chamada meia idade, viveram a fenomenologia da cidadanização. Os espaços foram diminuindo. Tudo parecia ficar cada vez menor pressionado pelo avassalador aumento da densidade demográfica. A casa, antes ampla e com quintal de bichos e plantas, apartamentalizou-se. E o animal, que era grande e solto, agora é pequeno e no colo. Outrora domesticado; ora, estimado.
Os cachorrentos que conheço evoluíram a tal ponto que já não consideram que seus caninos, felinos e outros sejam animais ou bichos irracionais. Tratam-nos como se fossem gente mesmo, alguém da família, creem em sua inteligência e desempenho intelectual, exaltam sua sensibilidade e fidelidade, exortam seu paladar refinado, respeitam sua vontade e opinião manifesta, dividem seu tarja preta com eles, e sentam-se à mesa em família. E mais: os cachogatorrentos viraram uma rede grande, ativa e forte de proteção dos interesses e necessidades dos animais de todas as espécies. Fico impressionado de ver como se agregam para socorrer algum animalzinho ferido, doente, sem moradia. São bravos denunciadores de maus tratos que ainda vitimam muitos bichos.

Mas, aqui em casa... dá até urticária pensar num cãozinho se refestelando no lençol. Nem podemos imaginar uma ferinha balançando a pelagem próxima à mesa do café ou estirada no sofá afiando as garras na trama do tecido. Não! Aqui em casa, não! Somente eu e Elâine: como gato... e gata. De toda forma, admiramos os amigos que não trocaram seu cachorro por uma criança pobre: adotaram os dois!

Publicado na OFF - novembro/2015

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CALENDÁRIO DE AVALIAÇÕES



 Começam em outubro e se estendem até novembro as grandes avaliações em Educação no Brasil. No final do mês, as escolas públicas da rede educacional do estado do Rio de Janeiro e as de 70% dos municípios farão o SAERJ. Avaliação censitária aplicada desde 2008, o SAERJ tira uma fotografia do desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e em Matemática nas etapas de escolarização (5º e 9º anos do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) da educação básica. A finalidade maior é monitorar a qualidade do ensino que está sendo ofertado às crianças, jovens e adultos sempre com o propósito de desenhar e/ou reformular políticas que garantam o direito à permanência na escola e à aprendizagem. 
No final da mesma semana (24 e 25/10), 8,4 milhões de jovens e adultos farão o Exame Nacional de Ensino Médio, o ENEM. As provas buscam comprovar o domínio de competências e habilidades dos inscritos que concluem o ensino médio. Também servem para certificar os que não tendo concluído os estudos regularmente se inscrevem no exame em busca de pontuação necessária para ter direito ao Certificado de Conclusão do Ensino Médio. Além disso, através da nota do ENEM, os que pretendem entrar na educação superior podem se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para concorrer a vagas nas universidades. E ainda o exame é obrigatório para os que desejem bolsas restituíveis do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e concorrerem a uma vaga do programa de intercâmbio no exterior que é o Ciência sem Fronteiras.
Já no período de 3 a 13 de novembro é a vez do SAEB. O sistema tem 3 avaliações: a ANA - Avaliação Nacional da Alfabetização - que este ano não será realizada. A já conhecidíssima Prova Brasil feita por todos os estudantes do 5º e 9º anos das escolas das redes municipal, estadual e federal. O resultado da Prova Brasil é divulgado por escola. É isso que a torna tão popular. E a Aneb que é amostral dos alunos da rede pública e da privada nas turmas de 5º e 9º anos e também da 3ª série do ensino médio. Este exame tem por objetivo principal “avaliar a qualidade, a equidade e a eficiência da educação brasileira”. Os resultados da Aneb são estratificados por regiões geográficas e por unidades da federação e não por escolas. Em nossa microrregião, na versão de 2013, o C. E. Luiz Ferraz foi a escola amostral da Aneb. Seu resultado na prova foi estendido a todas as escolas da região Noroeste Fluminense como nota padronizada de 0 a 10. Esta nota é multiplicada pelo fluxo escolar (que vai de 0 a 1) do ensino médio de todas as demais escolas estaduais gerando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB. Somente para se ter uma ideia do que seja fluxo é necessário saber que ele é composto das taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono. Na prática, é um número que representa quanto tempo um aluno leva para cursar uma etapa de 3 anos, como é o caso do ensino médio. Quanto maior a quantidade de alunos que gastam mais do que o tempo necessário para “se formar”, pior será o fluxo de uma escola e, portanto, menor será sua nota do IDEB.
Todos que se interessam por Educação encontram-se em momento de grande expectativa, pois os educadores trabalham para melhorar os resultados de seus alunos. E as avaliações, de certa forma, testarão isso. Para que cada educador não se desiluda, lembro que é preciso encarar de frente e com coragem os resultados. Li esses dias sobre uma fórmula risonha e séria: F= R – E. Em que “F” é a FELICIDADE; “R” os RESULTADOS; e “E” as EXPECTATIVAS. Costumo brincar dizendo que há muita felicidade em ser educador, sobretudo quando colaboramos para atingir os objetivos e metas das escolas. Entretanto, não se é docente para ser feliz. Porque se sente feliz é que se escolhe ser professor.

Publicado na OFF - outubro/2015

domingo, 6 de setembro de 2015

Do cafezal ao cafezinho

Definitivamente a minha envelhescência é um processo em franco desenvolvimento. É um percurso de ida sem volta. Ainda que não queira, que tenha tomado a decisão de evitar os estigmas, sou obrigado a confessar: quase sempre estou a emoldurar meus comentários com o bordão “no meu tempo...” , “bons tempos” ou “antigamente é que era bom”. Geralmente para fazer uma crítica a este tempo presente, que parece escorrer rapidamente entre os dedos que em vão fazem barreiras para retê-lo.
A minha mãe, hoje aos 91 anos, sempre elogiou o tempo presente e fez torcida por ele. Ela ainda diz repetidamente que bom é o HOJE. Ela é amante da tecnologia. E costuma resumir tudo num exemplo magistral. Fala de como era difícil antigamente – lá pela década de 1930 – tomar um cafezinho. Era preciso fazer um cafezal: plantar, cuidar e esperar a planta crescer e dar frutos (vão já aí uns cinco ou seis anos de espera). A colheita manual era trabalhosa. Depois ainda tinha de secar, torrar e moer os grãos para se fazer o pó que dentro do coador é atravessado pela água quente produzindo no bule essa bebida mágica que é o café (veja que estou omitindo a trabalheira que ela dizia ter para providenciar o fogo a fim de ferver a água). Mas espere! Ainda não está pronto o café – ela nos surpreendia contando. Retomava a narrativa dizendo que era preciso plantar a cana, cuidar da cana, colher a cana, moer a cana, fazer a garapa da cana. Transformar aquele caldo doce em açúcar não é pouca coisa e dá um trabalhão. Neste ponto da conversa o interlocutor já tinha até desistido de tomar o café. Mas então a tia Maria – como a maioria dos parentes e agregados a chamam – dava o tiro de misericórdia no passado. _Hum, ainda falam que tempo bom era aquele. Nada! Tempo bom é este do fogão a gás, do açúcar a quilo e do “café de pacotinho”.

Concordo plenamente com a minha mãe: no que diz respeito às novas tecnologias, viver nos dias de hoje é muito mais confortável. Ela já defendia isso, mesmo sem conhecer o café solúvel, o expresso, o sachê de açúcar e as modernas cafeteiras que só faltam conversar com a gente.

De outro ponto, tenho insistido que há um inevitável choque ético de gerações pelo qual todos passamos à medida dos anos. Não é só biologia. Não é apenas o fato de que somos pó de café atravessados por incontáveis águas quentes, anos a fio, e que, neste mister, já fomos café fumegante, cheiroso e aprazível. Adaptamo-nos ao filtro de papel e a cafeteiras de modelos vários e passageiros. Mas, no campo moral, não temos dado conta de tanta inovação. Não é moralismo piegas, gente! Estou falando é de uma involução de costumes na qual parece que o certo virou errado e vice e versa. Mesmo pra mim, que não acredito em verdades absolutas e nem apregoo a crença dualista de que somente existem o BEM E O MAL, há uma crise grande de valores em curso. Parece que a sociedade perdeu não apenas o fio da meada, mas a consciência histórica (de outro jeito não compreendo como há vozes gritando pela volta do regime militar). É necessário retomar algumas referências que estão no passado. Referências não são absolutas, mas balizam. São coador de pó e ajudam a separar as substâncias próprias das impróprias. Funcionam como um sistema de vigilância que nos protege. Minha família é minha referência. Quando tenho dúvidas sobre o rumo a seguir, penso nela; mergulho no passado, e recordo, e reafirmo minhas origens. A rigor não há modernidade. Há o tempo presente que é apenas um istmo entre o passado e o futuro. Repito sempre pra mim: ainda bem que a gente morre.

Publicado na Estilo OFF - setembro/2015

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Casamento sim


Fazer Bodas de Coral, 35 anos de casamento, nestes tempos pós-modernos não é pouca coisa. Não à toa, isso é uma pauta da hora. Desde algumas décadas que a durabilidade das uniões de casais tem chamado mais atenção pela resistência da instituição do que pela idade dos pares. Antigamente, quando a gente ouvia dizer que um casal estava fazendo Bodas de Ouro ficava pensando em quão velhinhos e carcomidos deviam estar os nubentes e como conseguiriam renovar os votos com cerimônia, lua de mel, pegar a noiva e tudo mais àquela altura.
Naquele tempo, pareciam raros os casais que chegavam à comemoração dos 50 anos de união. E a sociedade reconhecia como digna de louvor essa, digamos, manutenção da promessa matrimonial de fidelidade, amor e respeito “por todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe”.
Eu era cético a uniões tão duradouras. Achava que a instituição do casamento não se sustentaria pelas próximas décadas. As evidências eram a raridade de casais com muitos anos de união, as separações judiciais ou não, e a Lei do Divórcio (1977), que chegava pra comprovar a minha tese de que o casamento fora inventado pra durar somente enquanto não se acabasse.
Enganei-me. A instituição casamento não só permaneceu e tornou-se mais popular, quanto expandiu-se qualiquantitativamente. Agora muita gente se casa mais de uma vez. Casa-se pela festa. Há quem se case a fim de receber pensão do INSS viúvos profissionais (mais aí é caso de polícia e não de tabelião). Não se casa mais apenas para ter filhos. Além de tudo, o casamento, em boa parte do mundo civilizado, já não é somente entre homem e mulher.
Hoje, muitas uniões continuam duradouras. Entre gente do meu convívio tenho visto dezenas de casais comemorando Bodas de Porcelana, de Prata, de Pérola etc. Isso tem explicação na expectativa de vida do brasileiro. De 1980 ano em que eu e Elâine juntamos nossas escovas pra cá, o indivíduo que esperava viver, em média, 62 anos e seis meses, ganhou a chance de chegar tranquilo aos 73 anos e nove meses em 2010. Não é nada não é nada...uma Bodas de Aço.
Mas as uniões mais duradouras têm seus segredos. Não chegam a ser fórmulas ou receitas, muito menos magia.
Certamente a resposta que cada um dá à Nietzsche, quando ele nos desafia a dizer se seríamos capazes de ter prazer em conversar com a pessoa com quem nos casamos até à velhice, é decisiva na durabilidade e na qualidade de uma relação a dois. Aproveito pra dizer que o casamento é uma sociedade que pode durar pra sempre e ser infinita, porque não é chama; mas lenha.

O pensador Rubem Alves fez uma comparação inusitada e acertadíssima. Disse que há casamentos que se parecem com um jogo de tênis, outros com o de frescobol. Enquanto o tênis é uma disputa que termina sempre com um vitorioso e outro derrotado, o frescobol não termina nunca e ninguém fica contando quantos pontos fez. Nele o prazer é jogar de tal maneira bem a bola que facilita que o outro a devolva redondinha também e juntos não deixem que ela caia. Quando alguém erra, pede desculpas. Os erros não são comemorados. Goza-se com cada acerto. No meio do jogo se pode contar histórias sem fim de mil e uma noites... sem sofreguidão, sem pressa, com calma e com sensibilidade. Não se precisa mais provar nada um pro outro. O sexo não se faz mais somente através dos órgãos sexuais; também com o coração e com a mente. O “eu te amo” não é mais uma vez a confissão forçada ou impensada no espasmo do corpo; mas é sim o erotismo da alma.

Que venham as Bodas de Jequitibá!

Publicado na ESTILO OFF - agosto/2015

segunda-feira, 6 de julho de 2015

SALVE A MERENDA ESCOLAR!

Estamos a comemorar 60 anos da maior iniciativa de alimentação escolar do mundo. Hoje chamado de Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), a MERENDA atravessou o século XX e mostra evolução e solidez de propósitos. O programa é um bom exemplo de como o senso comum é importante para os rumos da sociedade. Sim! As pessoas sempre disseram que criança com fome não aprende. A ciência vem demonstrando que alunos precisam se alimentar corretamente para aprender mais e melhor. 
Quando eu era menino pequeno, lá em Retiro do Muriaé, passava o intervalo escolar, chamado recreio, soprando uma caneca de alumínio para resfriar o leite fumegante com aveia de gosto duvidoso. Era o que tínhamos: uma alimentação industrializada adquirida e distribuída pelo governo num processo centralizado de compra. Às vezes, levávamos de nossas casas um pouco de fubá e um legume que rendiam um sopão. Hoje a merenda escolar tem cardápio elaborado por nutricionistas e é muito melhor em qualidade e em quantidade do que era nos nossos grupos escolares da década de 1970.
O PNAE evoluiu porque descentralizou. Redes escolares, que compreenderam a modernidade e os elevados propósitos do programa, permitiram que o governo federal depositasse na conta da associação de apoio à escola o dinheiro pra compra da merenda. Desta forma, o gestor da escola pode adquirir no entorno e da agricultura familiar os melhores e mais baratos produtos para a alimentação escolar. 
Infelizmente, ainda se tem notícias de esquemas de corrupção envolvendo prefeitos e primeiras damas no desvio de verbas que seriam utilizadas para alimentar crianças, jovens e adultos que estudam em nossas escolas. Não à toa, no dia 11 de junho passado o senado federal aprovou projeto de lei – PLS 182/2005 – do senador Cristóvão Buarque, que pune prefeitos pelo mau uso da verba destinada à merenda escolar e pela omissão na prestação de contas.
Talvez agora consigamos colocar em curso a ESCOLARIZAÇÃO da merenda. Explico: mesmo parecendo óbvio que o dinheiro direto na escola para a compra da merenda é a melhor política para o bom andamento do programa e o cumprimento de seu fim, as prefeituras, em geral, – a de Itaperuna inclusive – preferem a CENTRALIZAÇÃO da compra. O leitor acredita que nossa prefeitura compre merenda (perto de 10 mil alunos) com preço mais baixo porque compra em grande quantidade? Nenhum centavo a menos do que as escolas em associação também não conseguissem comprar, certo? Será então por que se insiste na centralização ao invés de dar autonomia às escolas? Essa é apenas uma pergunta de retórica, o leitor não precisa responder, mas deve ter em mente que estamos falando de um programa que fez a prefeitura movimentar R$214.400,00 no ano passado em verbas federais. Mas os nobres vereadores, estes sim, precisam fazer uma refeição nas escolas pra verem como anda o paladar de quem compra e distribui a merenda que é servida nas escolas do município.
Diz o senso popular que não há mal que sempre dure. Eu sou um crente na humanidade e não desisto de acreditar que estamos em processo de melhoria contínua. O problema é a lentidão; não a direção. Agora mesmo, renovo a fé de que a rede municipal de Itaperuna dá um passo importante. A nova secretária de educação, professora Josilene Conçole, é um quadro do serviço público, tem comprovada competência técnica, tem visão de futuro e fará uma gestão por resultados para dar o rumo certo que as escolas do município tanto precisam. Tenho certeza de que, se ninguém atrapalhar, a secretária e sua equipe farão uma gestão inédita na Educação municipal de Itaperuna. Têm a chance de começar pela escolarização da merenda e de impedirem que sua excelência continue decretando pontos facultativos non sense que obrigam as escolas a cumprirem sábados letivos improdutivos.

Publicado na Estilo OFF julho/2015

sábado, 20 de junho de 2015

MUITA SAÚVA E POUCA EDUCAÇÃO

No geral, as pessoas fazem juízo através do senso comum. Também já comunguei da ideia de que em Itaperuna tem uma cabeça de porco enterrada na prefeitura desde antigamente. É assim que se justifica inocentemente que nada de bom é feito pelo poder público em benefício da maioria da população, que não há continuidade dos programas, que isto e aquilo. De correto este pensamento não declara, mas acaba por reconhecer que aqui existe um único grupo de poder. A rigor, não há oposição hoje e nem nunca. Os atores em cena se digladiam, metem falação uns dos outros; mas os roteiristas, os que ocasionalmente saem de seus castelos para atuar na política local com mandato popular nunca se apartaram. São, como meu pai diria, farinha do mesmo saco. Quando não têm uma origem comum, ao menos os enfeixam ideiazinhas míopes incapazes de fazer uma nova cidade.
Refletir sobre os males que assolam nossa terrinha não é listar o que não foi feito e o quanto isso atrasou o desenvolvimento local. Verdadeiramente, o desafio do município continua sendo a Educação. Para quem acredita nela como base para o exercício da cidadania plena, não se faz Educação em Itaperuna a despeito das inúmeras graduações que se oferecem já há algumas décadas nos nossos centros universitários, nas faculdades diversas. Digo isto porque nosso ensino superior está assaz preocupado é com a formação profissional, com o currículo para o mundo das competições, com a marca indelével trazida pelos títulos universitários. Entretanto, o crescimento do número de indivíduos com formação superior em nosso município, paradoxalmente, não influencia o grau de participação da sociedade nos destinos da cidade. No momento das eleições, o reflexo não aparece nem nas candidaturas aos cargos eletivos e menos ainda na boa escolha que se tem feito para a ocupação dos poderes legislativo e executivo.
Nossa cidade faz tempo perde, ano após ano, o bonde da história. De tal modo, já não é mais uma referência regional. Segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), no ano base de 2011, Itaperuna perde a liderança (4 pontos abaixo) para Santo Antônio de Pádua. Em Educação, ficamos abaixo ainda de Aperibé e de Bom Jesus do Itabapoana. Já no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) nosso município empata com Natividade e perde a dianteira para Bom Jesus do Itabapoana em Renda e em Educação.
Achar que não temos problema com a Educação é pura crendice. As nossas escolas municipais juntas nunca alcançaram o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Formamos adultos incapazes de escolher bem seus representantes. Não se trata de reconstruir Itaperuna. Em termos regionais, nós éramos caolhos rodeados de cegos – um favorecimento da natureza frente a inércia. Mas os outros municípios evoluíram. Aqui as saúvas aprenderam a voar.

Originalmente publicado no Blog do Nino Bellieny, em 11/06/2015.
 

domingo, 7 de junho de 2015

A Educação de que precisamos



Este é o ano da 6ª edição do SAEB, que é o conjunto de testes padronizados – Prova Brasil e ANEB – que revela o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) das escolas e das redes de educação do país. Em 2005, na criação do exame, o índice foi de 3,8. Partimos desse patamar para o desafio de alcançar a nota 6,0, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – (se você não ouviu falar dela não tem muita importância) em 2022, quando comemoraremos o bicentenário da Independência.
Hoje a sociedade nacional, como um todo, fala do IDEB com alguma familiaridade. Muitas vezes, não tendo a compreensão técnica do assunto, o povo emite uma opinião pautada no bom senso. É comum ouvirmos de pessoas simples que se uma escola, uma rede ou um país não atinge uma meta preestabelecida para a sua educação básica a coisa não tá coisando bem. Traduzindo: se isso se refere à Educação então não se está dando conta de preparar nossas crianças, jovens e adultos para o exercício da cidadania, para o trabalho e para a continuidade dos estudos.
Para se compreender minimamente a lógica do IDEB é necessário pensar o percurso educacional básico brasileiro em três etapas: os anos iniciais do ensino fundamental, os anos finais e o ensino médio. São os resultados da aprovação, reprovação e abandono de todos os alunos matriculados nos anos/séries mais a nota alcançada nos testes padronizados que irão estabelecer o quanto esses alunos estão aprendendo e quanto tempo levam para cumprir cada etapa.
Nos anos iniciais, onde estudam os pequenininhos (1º ao 5º ano), a educação brasileira, na média, está de vento em popa. Nossa meta em 2013 era de 4,9 e nossas escolas públicas chegaram lá. O IDEB foi de 5,2 contando com todas as redes, inclusive a privada. Atingimos em 2013 a meta projetada para 2015. Aqui estamos com o boi na sombra. Menos em Itaperuna, que andou pra trás. Por aqui, atingimos as metas em 2007 e 2009, depois disso, tchau! Em 2013 nossa meta era de 5,7 e somente conseguimos 4,9. Mérito para as escolas municipais Sítio São Benedito e Ver. Elzo Galvão da França, que fizeram o dever de casa. Agora em 2015 precisamos chegar a 5,9. Façam suas apostas!
Nos anos finais, a porca começou a torcer o rabo. O Brasil precisava chegar a 4,4 em 2013, mas não passamos de 4,2. Ficamos muito próximos. Um pequeno esforço pode nos colocar novamente nos trilhos da qualidade e da equidade educacionais nesta etapa. Mas é bom lembrar que a meta para 2015 é de 4,7. Na pedra preta, a E. M Águas Claras e a E. M. Ciep Brizolão 467 – Henriett Amado, cumpriram suas metas; mas o conjunto da obra tem sido triste. Todas juntas, as escolas municipais nunca alcançaram a meta. Em 2013 era de 5,4 ficaram com 4,5. Agora precisam chegar a 5,7. Só Jesus na causa.
O grande desafio é o ensino médio. Pro leitor ter uma imagem do tamanho da encrenca que é a etapa final da educação básica, vou desenhar o quadro (quadradinhos escurecidos é quando se atingiu a meta).

Veja que no último IDEB a meta não foi alcançada pelas escolas públicas (quebrando uma sequência) e nem pelas instituições particulares. Pelo andar da carruagem, se nada estiver sendo feito, o ensino médio do Brasil, que foi reprovado em 2013, tomará pau novamente em 2015.
Olhando para tudo isso, o que eu e as torcidas do Corinthians e do Flamengo ficamos pensando é que quanto mais anos as crianças ficam na escola, mais longe estão de alcançar as metas da educação básica. Ou então precisamos discutir o que se está fazendo com elas nas nossas escolas; os currículos, as metodologias; o clima organizacional; a formação inicial e continuada de professores e de gestores; o salário dos profissionais; o 1/3 para hora de planejamento; e otras cositas más.
Olhando para o que acontece nos países em que a educação escolar tem sido mais efetiva o que vemos são escolas onde as crianças passam pelo menos 7 horas. Já tivemos aqui no estado do Rio de Janeiro uma experiência importante que foram os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs – criados por Brizola e Darcy Ribeiro. Aliás, neste 8 de maio, fez 30 anos da inauguração do CIEP 001 – Presidente Tancredo Neves.
Não tenho dúvidas em afirmar que a educação brasileira perdeu seu grande e definitivo projeto de escola quando os governos de Moreira Franco e Marcelo Alencar (com a ajuda da rede Globo) sepultaram o projeto de educação integral que tinha nos CIEPs sua câmara embrionária. Os prédios, claro, continuaram existindo, porque explodi-los seria mais difícil de explicar pra sociedade.
Hoje, finalmente, é corrente no Brasil a ideia de que a única alternativa educacional capaz de responder à pretensão do país de alcançar o patamar dos países da OCDE é a educação em tempo integral. Mesmo assim, entre os que fazem disso uma bandeira, é preciso separar os crentes numa solução social para tirar as crianças da rua e da violência daqueles que, como eu, só acreditam na escola integral como espaço de formação humana, de valorização e aprendizagem de competências socioemocionais, fulcro da educação do século XXI.
Como educador nestes tempos, tenho a pretensão, agora que universalizamos a matrícula, que estamos mantendo a frequência dos nossos alunos, de buscar uma educação de qualidade e equânime. Somente assim, em algumas décadas, poderemos comemorar uma escola que estabeleça um justo grid de largada para todos os brasileiros. Uma sociedade onde o ponto de partida de todo cidadão seja a primeira fila.

Publicado na OFF - junho/2015