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domingo, 10 de março de 2013

Renuntiare etiam, Renan!



Talvez nunca venhamos saber os verdadeiros motivos da abdicação de Bento XVI – os alemães são sempre muito tumulares. Resta-nos, entretanto, por isso mesmo, a possibilidade de especular. Aliás, nesse mister, muita gente tem se esmerado. Já se assuntou de um tudo na imprensa planetária. Não é pra menos! Um gaiato até inventou na web um post com a foto do Chapolin Colorado dizendo que “No carnaval já vi gente terminando o namoro, o casamento, ficando grávida, brigando... mas deixando de ser Papa é a primeira vez.” Aqui no Brasil, pelo menos, fazemos quase todas as meditações com muito humor! É melhor do que com o fígado!

Faz quase 600 anos que um fenômeno como esse não acontecia na cathedra de Pedro. É por essa e por outras que a renúncia do Papa continua na mídia; afinal, um meteoro como o que se espatifou sobre a Sibéria foi um acontecimento que já se tinha visto há pouco mais de 100 anos. Além disso, o que é um corpinho doido celeste se chocando contra a Terra diante da estupefação humana com alguém abrindo mão do poder? O meteoro caiu, pessoas ficaram machucadas, muitos se endividaram nas vidraçarias etc., mas pronto. Acabou! Já no caso romano, não! Vai haver eleição papal! Fumacinha preta, fumacinha branca saindo da chaminé da Cappella Sistina; holofotes hollywoodianos; direitos de imagem e transmissões infindáveis; desejos inconfessáveis; pecados capitais; intrigas; oposições; disse-me-disse; clientelismo... tudinho como numa eleição humana que é. Por favor, não me venha com esta de sagrado, de santificado, de beatificado, que o espírito santo sopra no ouvido de cada cardeal o seu candidato... É a política, estúpido! Não fosse assim o escrutínio nem precisaria ser secreto.

A experiência brasileira com renúncias não é lá essas coisas. Desde o regente Feijó até Jânio Quadros, nossa história não nos reservou nada de espetacular. Somente neste século é que vimos crescer casos bem focados de renunciação. Todos sob a égide do axioma “Vão-se os anéis; ficam os dedos”. Foi assim, por exemplo, que renunciaram para evitar a cassação de seus mandatos: Collor (1992, mas como era do interesse do congresso, isso não o livrou da cassação); Genebaldo Correia (1994); Jader Barbalho, Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda (2001); Pinheiro Landim (2002); Severino Cavalcanti e José Borba (2005); Coriolano Sales e Marcelino Fraga (2006); Joaquim Roriz e Pedro Passos (2007); Leonardo Prudente (2010); Ricardo Teixeira (2012 _Ops, esse é outro caso!) para ficarmos somente nos escândalos de alcance nacional. É preciso lembrar que após a segunda versão da Lei da Ficha Limpa – aprovada em 2010, mas que por razões que o leitor sabe bem só passou a valer mesmo nas eleições de 2012 – a farra teve uma freada, pois a renúncia não impede mais a cassação. É uma coisa meio que a Lei mosaica para o adultério: é que no antigo testamento, para os mais ortodoxos, o casamento era indissolúvel e toda gracinha fora dele era concupiscência da carne. Então inventaram o apedrejamento das mulheres. Era mole: quando o cara queria renunciar, acusava a mulher de adultério. Ela era morta publicamente à pedradas pelo pessoal do clube do bolinha e pronto – o mancebo estava livre novamente como um passarinho protegido pelo Ibama.

O deputado Miro Teixeira declarou, diante destas últimas eleições secretas da câmara e do senado, que “Pior do que este Parlamento, só um Parlamento fechado.” Começo a desconfiar que nunca antes na história deste país um parlamentar pensou tão distintamente do povo. Uma pesquisa honesta entre os brasileiros apontaria certamente outra realidade. Creio que o nosso povo tem todas as razões para exigir um parlamento fechado e, de fato, o deseja: é mais barato, no mínimo.

Depois do conclave que elegeu Henrique Alves – investigado por enriquecimento ilícito – e Renan Calheiros – peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso – para comissários do mais alto legislativo não há mais como disfarçar a decadência dessa esfera de poder. Os defensores do stablishment gostam sempre de lembrar, em tom de ameaça, que não há democracia sem legislativo. E ainda têm a petulância de jogar em nossa cara que os nobres deputados e senadores estão legitimados pelo voto popular. Tudo isso como se nós – o povo – e todas as pedras que cobrem as ruas deste país não soubéssemos como se dão as eleições em que o poder do marketing, pago com dinheiro sujo, é capaz de garantir o pleito dos políticos de carreira.

De toda forma, Renan, como bom católico, bem que podia imitar o Papa – por razões muito diferentes, diga-se de passagem – e renunciar à presidência do senado (ele já fez isso outra vez!). Entretanto, pensa nossa gente – cansada “de tanto ver triunfar as nulidades” –, que para uma casa que já teve Jader Barbalho e Sarney, por exemplo, como presidentes... um Renan nem faz tanta diferença ética. Eu acho outra coisa: já que é pra continuar havendo legislativo, será que não encontram naquela casa ou na do BBB alguém um tiquinho mais impoluto?! Valha-nos, João Paulo II!
 
Publicado na Estilo OFF - março/2013