SEJA BEM-VINDO

domingo, 15 de dezembro de 2013

Cuidem-se bem

                                     “Perigos há por toda a parte e é bem delicado viver de uma forma ou de outra”
                                                                                                                                  Guilherme Arantes


Já vem dezembro, cheio de consequências.
É assim que vejo o final de cada ano com seus balanços e cobranças. É que se promete muito nas eleições, nas horas de sufoco – queria escrever cagaço, mas tem sempre os que não gostam desse palavreado - e de remorso. Parece que a gente promete a fim de ter força pra sonhar. Nesse sentido, a promessa é sempre pra nós mesmos, enquanto para o outro é só um contrato, unilateral e sem assinatura.
Já foi dito que a vida da gente é uma promessa. Talvez! Reconheço que estamos rodeados do que em Paulo Freire chamaríamos de o INÉDITO VIÁVEL: nossas utopias, que assim o são porque não foram ainda realizadas.
De todo modo, dezembro – queiramos ou não – marca a hora da visita do cobrador, que não é algum estranho a nos pressionar. É nossa intimidade mais profunda que chamam de consciência, outros de o “eu”, há os que prefiram alma ou espírito. Não importa muito aqui as nomenclaturas cheias de ideologia. Todos sentem quando não é mais possível deixar pra depois, quando é chegada a hora da verdade, do confronto com o espelho, da queda no buraco do coelho (É preciso ler a obra prima de Lewis Carroll - Alice no país das maravilhas – para compreender bem isso.).
Tudo foi um preâmbulo para compartilhar a notícia de que Itaperuna tem mais de 85 pontos de risco iminente de deslizamento, segundo relatório anual do Departamento de Recursos Minerais do Rio de Janeiro. Pior: a situação de nossas encostas é grave mesmo em condições de chuvas normais. Como as chuvas não estão esperando o dezembro chegar (hoje é dia 29/11), as águas sempre generosas do verão podem encontrar o solo já encharcado, e o Muriaé com ânsia de vômito também por tanta porcaria que jogam dentro dele; pelo contínuo aterramento de suas margens; pelas motosserras que continuam a cortar as árvores ribeirinhas sem piedade lá em Retiro do Muriaé e ao longo da serpente ora mansa. Essa é uma mistura cujas consequências nossa população conhece bastante bem. Poderíamos perguntar o que foi e/ou está sendo feito no campo do contra ataque, já que não se cuida mesmo de uma política de defesa. Mas não quero aqui embaraçar as autoridades locais, pondo mais um cobrador em seu encalço.
Prefiro, antes, sem prejuízo da cobrança que faço aos gestores municipais, divulgar para a população essas áreas de risco no município. As mais perigosas estão no bairro Surubi nas ruas Dalca Lobo, nº 16, 70, 48, 41, 49 e 207, José Vergílio nº 201, 191, 171, 82, 83, 64 e 143 e Travessa Martins s/n; em Comendador Venâncio na rua Francisco G. Bastos nº 30, 26, 21 e 22; no Guaritá na rua Jair Silva de Souza nº 30, 20 e 175; no bairro Niterói na rua Lucas Moreira Bastos nº 544, 538, 532, 514, 462 e 460. Você pode conferir o mapa do perigo na “Cartografia de Risco Iminente a Escorregamentos em Encostas”, um documento que se pode baixar em:
http://www.drm.rj.gov.br/index.php/downloads/category/24-contedo-carta-de-risco.
Não pense o leitor que o risco está somente nas áreas onde se paga menos IPTU. No centro da cidade e em áreas mais nobres também há perigos.
A razão dessa crônica não é criar uma situação de alarme; mas de atenção e cuidado. Diria Toquinho que “são demais os perigos desta vida”. A gente corre o risco da volta da censura, como parece querer o pessoal do “Procure saber”, capitaneados por Roberto – o rei há muito nu. Somos bombardeados por falsas polêmicas como as propinas recebidas do cartel dos trens por políticos do PSDB – como se isso fosse improvável; pelos enlatadinhos de sempre com nomes estrangeiros como Big Brother, The Voice, mais falsos que uma nota de R$3,00; com os manifestantes profissionais contratados pelo partido de Garotinho para depredar o patrimônio público, e o particular, na capital carioca. Mas a gente, a la Gonzaguinha, não se entrega não.
Preocupo-me mais com a vida das pessoas comuns cujas biografias não se cuidam nem antes e menos ainda depois... de soterradas.

Publicado na Estilo OFF - dezembro/2013
 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

QUANTO VALE A LIBERDADE E QUANTO CUSTA A MORTE

Gosto de revisitar as coisas que escrevo; às vezes para me corrigir, outras para reafirmar minhas crenças e seguir em frente. Ainda outras para fugir da mesmice – acho que é o caso agora – de uma pauta obrigatória na grande imprensa e nas conversas de botequim: as manifestações finalizadas por depredações nas grandes cidades do país. Vamos combinar! A gente já não tem mais saco pra isso.
Certos temas são muito pontuais e, vira e mexe, voltam ao debate social sempre com novas perspectivas. Há os que são datados. Esses, quase inevitavelmente, aparecem sazonalmente nas crônicas do mundo inteiro. É o caso das duas releituras que acabo de fazer acerca dos direitos humanos e sobre a morte.
Daqui a pouco – em dezembro – estaremos comemorando os 65 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo depois de tanto tempo – ou quem sabe exatamente por causa disso – os discursos sobre os Direitos ainda são muito controversos. Costumo dizer que parecem brasa que cada qual puxa pra sua sardinha. Pra muita gente, somente quando defendem sua própria causa ou crenças é que os “direitos” estão direitos. Caso contrário, estão a defender bandidos. Essa é uma contradição pra lá de ordinária com que o senso comum trata a utopia de um mundo mais justo e fraterno.
Rola pela internet um requentado assunto a respeito do “absurdo” de um presidiário ganhar setecentos, oitocentos ou novecentos – a bobagem geralmente tem muitas versões – e tantos reais do governo do Estado (?) e que isso seria um acinte a tanta gente honesta que precisa trabalhar muito para “tirar” um salário mínimo etc., etc. Já tinha ouvido até deputado falando disso na tribuna da câmara federal, mas deputado desinformado, falando asneira não é novidade neste país. O que me deixou bastante preocupado foi ver gente bem intencionada repetindo a galhofa.
Por isso prometi pra mim mesmo que o ano não findaria sem que eu escrevesse, aqui na OFF, duas linhas em relação ao assunto. Acredito profundamente que informação é essencial à inteligência, é ela que alimenta as ideias, que não deixa o alzheimer da ignorância trepar na gente.
Ora, o auxílio-reclusão é um benefício pago pelo INSS aos dependentes do segurado que se encontra preso sob o regime fechado ou semiaberto enquanto durar o encarceramento. Esse benefício surgiu na Lei Orgânica da Previdência Social em 1960 no bojo dos esforços brasileiros de cooperar com a implantação dos ideais da Carta dos Direitos Humanos.
Há um embate direto entre o espírito dos Direitos Humanos e o ressurgimento universal do Individualismo. Além disso, a violência urbana e a falência do nosso sistema prisional têm imprimido um caráter de vingança social à detenção. É urgente refazermos, nessa conjuntura tão desfavorável, o sentido da solidariedade, da cooperação, do respeito às pessoas, da piedade – por que não? – sem o que a sociedade corre o risco de retornar à barbárie e ao totalitarismo.
Em última instância, o auxílio-reclusão é o reconhecimento pela previdência social da condição de contribuinte que o prisioneiro tinha e da cessação de suas possibilidades laborativas remuneradas gerando, portanto, o benefício legal. Aliás, isto é a valorização do trabalho humano sem a mais valia. Somente desinformados ou mal intencionados são capazes de continuar chamando o auxílio de bolsa-bandido. Além do que, já dizia Nélson Rodrigues: “A liberdade é mais importante do que o pão”. Por isso não achamos quem deliberadamente queira renunciar à liberdade para gozar de auxílio-reclusão.
O outro tema é a morte que sempre volta no mês de novembro. Ainda que não queiramos, há um dia para se pensar na morte – nossa e na dos outros. A cultura ocidental nos ensinou a olhar a morte pelo lado de quem fica vivo. Na magistral obra de Machado de Assis, quando Brás Cubas diz que “não há nada tão incomensurável como o desdém dos finados”, o olhar é do defunto que continua “vivinho da silva” para escrever suas memórias. E a ironia machadiana é tanto mais humana quanto mais tenta nos fazer crer transcendental.
Às vezes cotejamos a vida com a morte. E é por isso que podemos cristãmente desejar a morte para alguém que esteja sofrendo de uma doença incurável, ou que não tenha melhor expectativa de vida plena. Alguns mais abusados querem a morte de quem é mau: _Tomara que morra aquele crápula. Outros ainda desejam a própria morte acreditando que ela seja a solução de seus problemas. Também encontramos gente “disposta” a morrer por outra ou em lugar de outra, por uma causa ou em nome de uma crença.
Todos deveriam viver, e bem, até a média de vida da sua comunidade. Isso parece justo. Se não morrêssemos, teríamos de reformar profundamente o sistema previdenciário, o auxílio-reclusão, o tempo de escolaridade, o seguro de vida, o ingresso na maioridade, a idade indicada para certos programas de televisão, o ECA, o Estatuto do Idoso, o instituto da reeleição... essas coisas fugazes.
Particularmente, cunhei uma metáfora – tratada com mais vagar na crônica “Acrobacia da Consumação” encontrada em: http://professorzeluiz.blogspot.com.br/search/label/Finados – para imaginar a morte: uma cambalhota daquelas de 360º, coisa que, quanto mais idade tivermos, menos noção de como vamos sair do outro lado. Talvez por isso, Dercy Gonçalves tenha querido ser sepultada em pé na crença de que a caminhada continua.
Mas insisto: se queremos viver muito e bem, é claro que desejamos bem morrer, pelo menos. Admitamos, ninguém quer apagar a lamparina; mas já que isso acaba ficando inadiável, que seja salutar. Então reaprendamos a dar cambalhotas e a plantar bananeiras, pois acho que morrer é isto: um mergulho, um ver o mundo de ponta-cabeça, ir brincar em outra dimensão.

Publicado na OFF - novembro/2013

domingo, 6 de outubro de 2013

Gestão do acaso!

Muita gente já não sabe o que é um datilógrafo. Mas antes da invasão righ tech, ter o curso de datilografia era uma coisa moderna e quase uma condição para se entrar no mercado de trabalho. Estou iniciando essa primavera lembrando isso, porque escrevo usando um único dedo – o médio – para digitar letra por letra a bagaça que você lê agora na OFF de outubro. Todo datilógrafo que conheço tem orgulho inconfessável de sê-lo. É um sarro as pessoas verem a gente digitar sem olhar o teclado. E temos uma satisfação quase prepotente ao ver os outros procurando letras, ponto e espaços. Pois é, nem catar milho me é permitido agora, pois isso supõe que se use ao menos um dedo de cada mão. É que fui abalroado e derrubado de minha velha motoneta por um carro invadindo a preferencial bem na principal avenida da cidade. Tenho uma dúvida atroz: se nossa cidade não tem gestão do trânsito ou se ela é muito burra. Mas nosso papo não é sobre acidente de trânsito em Itaperuna – coisa pra lá de banal. É, sim, sobre incidente.
No velho e bom conceito latino, a palavra incidens nomeia um imprevisto. Também qualifica algo como secundário. Mas, como em linguística nada é por acaso, os parônimos guardam muita coisa em comum. Daí a confusão dos falantes trocando uma palavra pela outra. A ligação que procuro estabelecer é que, a meu juízo, nosso município tem tido governos incidentais. Pra ficar somente com os últimos, vejamos: os analistas políticos de plantão contam que o incidente das “malas do Caiçara” foi determinante para a virada eleitoral do Claudão. Isso porque o julgamento popular precede, e muito – põe muito aí! – aquele feito nos tribunais. Detalhe: o povo também costuma aceitar apelações e embargos infringentes. Mas esse é outro assunto. Segue o enterro. A administração Paulada – um acidente sem nada de original na política brasileira, que tem essas figuras fantasmagóricas dos vices e suplentes (uma gente que é eleita sem nenhum voto) – foi total e completamente incidental. É fato. Uma característica das administrações fulgazes e incompetentes é que somente são lembradas pelas mazelas; não há uma obrinha sequer para lhe encimar o epitáfio.
A esperança – com cara de estúpida – constrói-se pelo senso comum de que “após a tempestade, sempre vem a bonança”. Risível! Melhor: chorível é esse tempo de agora! A experiência de Alfredão – alguns irão dizer que é cedo demais para julgar! – é talvez a mais incidental da história de nossa velha Itaperuna. Porque cuida mal mesmo das coisas acessórias, não consegue nem apagar os pequenos incêndios do dia a dia. Fazer algo grande, nem pensar. Pelo menos o arrozinho com feijão bem feitinho; necas! A última trapalhada teve como palco o cemitério de Retiro de Muriaé. Abandonado como todos os outros. Mais do que isso: feito despejo de indigentes, nos últimos anos, esgotou-se.
Ao invés do pessoal do planejamento pedir uma consulta ao senhor Cláudio Goulart – prefeito nos anos 70 – que dotou nossa cidade da necrópole de São João Batista, preferiu uma solução improvisada pela estupidez administrativa sem neurônios arquitetônicos – que parece ser um defeito intrínseco da atual secretaria de obras. Os maganos mal intencionaram erguer um puxadinho vertical bem à frente da entrada do cemitério de Retiro, ao lado da capela mortuária, inclusive dificultando o acesso a ela. Você sabe como são essas gavetas e onde, sem projeto minimamente inteligente, vai parar o chorume, não sabe?! Ora, tanto mais para espíritas e católicos, um cemitério não é um depósito de cadáveres; ao contrário, chamam-no de campo santo, e visitam-no regularmente. Mais respeito, por favor! Não deu outra, a brava gente retirense estrilou e parece que a obra iniciada – com retirada dos paralelepípedos, fundação, erguimento de colunas – deve ser paralisada (dinheiro dos impostos jogado no ralo da má gestão da coisa pública). Eu não posso renegar o papel de insepulto de Antares para registrar mais essa pataquada da gerência municipal.
Outro dia recebi em minha caixa de e-mail um rico material que estou dando o nome de “dossiê Tito”. Não é algo inédito, mas não tinha visto os projetos juntinhos e apresentados com otimismo. O remetente enumera obras de infraestrutura que serão destinadas, já em 2014, a Itaperuna e região, tais como: Aeroporto Regional de Itaperuna; Ferrovia Transcontinental; Obras de Mitigação e Contenção das cheias do rio Muriaé; Obras do Contorno da BR 356 – que esperam apenas licença ambiental; Gasoduto Macaé/Ipatinga – passando pela terrinha; Projeto 2022 da FIRJAN Noroeste – com asfaltamento e duplicações. Segundo o documento, as obras federais e estaduais não preveem contrapartida financeira dos municípios. Entretanto, os gestores precisam desejá-las e colaborar com o planejamento logístico. Ai, meu Deus! Danou-se, a administração de nosso município não sabe o que é isso! Aqui, nada é planejado para curto, médio ou longo prazo. Tudo é incidental.


Publicado na OFF-outubro/2013

domingo, 8 de setembro de 2013

Por mais brasilidade na contestação


O maior castigo para os que não se interessam por política é que serão governados pelos piores políticos.

As coisas que queremos e parecem impossíveis só podem ser conseguidas com uma teimosia pacífica.

Arnold Toynbee e Gandhi

 
Neste sete de setembro estaremos lembrando os 191 anos da Independência do Brasil. A narrativa tupiniquim para o começo da nação buscou reforçar uma epopeia de heroísmo às margens do riacho do Ipiranga onde o futuro imperador de espada desembainhada grita para o séquito a monocórdica “Independência ou morte”. A ideia que tornou a falácia um emblema era de dar ao evento um ar de arroubo patriótico e se consubstanciar assim em estatuto da verdade e da origem nobre da nação. De lá pra cá, as comemorações do Dia da Independência têm sido utilizadas tanto para a falta legalizada ao trabalho quanto para o fim de propagandear a pujança bélico-econômica da pátria. Nisso os governos de todos os níveis sempre foram bastante competentes e pouco criativos. Pelo país afora, repetem-se os enfadonhos desfiles cívicos em que as escolas e outras instituições que dependem do financiamento público marcham pelas ruas e avenidas improvisadas de desfilódromos sacudindo suas bandeirinhas nacionais - sob sol ou chuva -, e fazendo especial deferência às autoridades que se acotovelam com cara de paisagem nos palanques verde-amarelos montados, em geral, com 20% de propina.

Por outro lado, a data também tem se tornado ocasião de constrangimento para as autoridades que, cada vez mais, veem-se obrigadas a dividir os holofotes com manifestações sociais reivindicatórias de melhores serviços públicos, ética e competência na administração, e os mais variados protestos contra tudo.

Há notícias pelas redes de relacionamentos que se prepara a maior manifestação pública de todos os tempos. Alguns dos grupos organizadores estão chamando os brasileiros daqui e do estrangeiro para a “Operação sete de setembro” que promete “marcar a história com um protesto que terá repercussão mundial”.

Irão se juntar aos manifestantes de setembro muita gente que voltara a dormir. Gente que fora expulsa das contestações pelas hordas de encapuzados mais interessadas na desordem civil e na bandidagem beligerante que propriamente em varrer do país a corrupção, o fisiologismo legislativo e a incompetência governamental.

Preciso lembrar que a rua é mesmo o melhor lugar de o povo se manifestar. Nossa tradição sempre fez dela o lócus espetacular da publicização da alegria ou da dor, tanto da celebração da festa quanto do extravasamento da raiva. Em comparação ao carnaval, às procissões, à Revolta da Vacina, às Diretas Já, ao Fora Collor, às Paradas Gay, à Marcha da Maconha e a tantos outros movimentos que se fizeram nas ruas e/ou que fazem dela seu chão, as novas contestações têm algo de sui generis: são mais horizontais. Não percebemos os andaimes que as sustentam. Além disso, não conhecíamos a participação tão efetiva de um modus operandi black bloc, e muita gente está, com razão, assustadíssima com isso. O novo anarquismo é muito mais idiota e inconsequente. Um jovem que “descobre” o sentido para sua vida ao depredar o patrimônio alheio ou público é a notícia mais triste do quanto nossa sociedade parece dar marcha à ré no processo civilizatório. Uma coisa é pintar a cara de verde-amarelo e posar bonito pras fotos – marca da moderna brasilidade contestadora –; outra é esconder o rosto e se comportar como um zumbi embusteiro a serviço sabe-se lá de que ou de quem.

De toda forma, que venham as manifestações, ainda que no limite da desobediência civil, mas que sejam como diria Gandhi: uma teimosia pacífica, porque não aceitamos ser governados pelos piores políticos da nação brasileira.
 
Publicado na Estilo OFF - setembro/2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Também os médicos envelhecem


Quase invariavelmente somos progressistas quando jovens, mas vamo-nos convertendo ao conservadorismo à medida que os cabelos brancos assomam a raleada cabeleira outrora esvoaçante e viçosa. Parece que a fé em sonhos de um mundo melhor na qual depositamos todo o nosso empenho e coração; pela qual nos vemos capazes de uma vida empenhada nos grêmios estudantis; na dedicação aos diretórios acadêmicos; na obsessão pela organização sindical e de classe; na política partidária de esquerda e na tenaz determinação por acreditar e buscar fazer um mundo melhor vai se arrefecendo ou virando pesadelos deixados pelos caminhos abandonados dia a dia da emoção.
Não conhecemos muito bem os processos mentais da maturação. Sabemos, entretanto, que deles faz parte a conversão de um modo de tratar com paixão o sentimento das coisas para uma racionalidade praticamente econômica de ver a vida. Talvez a decepção política com promessas não cumpridas, com líderes que “mudaram de lado”... não sei! Fato é que ao envelhecermos ficamos mais insensíveis, mais egoístas, mais corporativistas. Parece que colocamos definitivamente o cérebro no lugar do coração.
Não posso de outra maneira compreender a atitude de significativa parte dos médicos brasileiros ao se posicionar contra o programa “Mais Médicos” do governo federal. Recordando: a ação governamental busca captar médicos brasileiros, ou não, que por um salário de R$ 10.000,00 por quarenta horas, mais ajuda de custo, aceitem fazer atendimento básico de saúde nos chamados grotões ou mesmo na periferia das grandes cidades para atender as populações mais desassistidas deste país.
Fico estupefato com a notícia de que, em verdadeiras quadrilhas, médicos se unam para boicotar de maneira sórdida o programa. É que além de incitarem os mais jovens a irem às ruas carregar cartazes feitos em gráficas com mensagens contra o programa sob a falsa alegação de que o governo quer encher o país de médicos estrangeiros, ainda têm a desfaçatez de sabotar as inscrições pela internet onde se inscrevem e depois desistem para atrapalhar o cronograma e o recrutamento de médicos estrangeiros e mesmo brasileiros que desejam fazer parte da ação emergencial. Sem entrar no mérito de que isso seja um caso para a polícia federal, fico me perguntando onde foram parar a ética e a moral. Ou menos: em que esquina maldita da vida se perderam o sentimento de patriotismo, o juramento de Hipócrates e o viço juvenil de querer melhorar o Brasil e o mundo.
Será que há doutores por esse país de meu Deus acreditando que se pode fazer reserva de mercado com a saúde alheia, impedindo a entrada de profissionais estrangeiros? Que os doentes possam esperar até que a tabela do SUS seja atualizada ou que os Planos de Saúde – verdadeiras arapucas em sua grande maioria – garantam a execução do rol de procedimentos e eventos obrigatórios? Claro que os profissionais médicos são estratégicos para as boas condições de vida da população. Entretanto, são indispensáveis à sociedade na mesma medida que quaisquer outros. A vida social não pode prescindir dos esculápios, como não pode dos engenheiros, dos enfermeiros, dos psicólogos, dos professores – quanto mais desses! –, dos padeiros, dos coveiros, dos lixeiros e por aí vai. Ainda que haja malucos que pensem diferentemente. Ainda que haja médicos brigando para ter o monopólio da aplicação de uma simples injeção. Apavora-me a ideia de viver num país cuja elite tenha a cara de pau de cobrar benesses sobre benesses por se achar a última seringa não descartável do estoque. Impor reserva de mercado em tecnologia como o Brasil andou fazendo na década de 1980 era uma coisinha burra, mas ninguém morreu por conta daquilo. Bem diferente é entubar a doença dos outros reservando-a como lastro de negociação salarial e patamar de aristocracia piramidal.
Existem os que gostam muito de cobrar, mas não querem pagar. São os devotos do “venha a nós tudo; ao vosso reino, nada!” O Ministério da Educação parece ter colocado o dedo na ferida com o projeto de redesenho da formação médica no Brasil. A partir de 2015, os discípulos de Hipócrates terão de estudar mais dois anos e servirem ao povo em residência bem remunerada no SUS. De novo eles gritam, pois acham que isso é pedir demais. Nesse caso gosto sempre de perguntar à elite brasileira se é costume entre seus pares voltar à universidade onde se formaram, sobretudo se pública, para doar um livro sequer? Já sei! Acham que não têm essa obrigação já que pagam impostos. Ora, por que se pensa que o governo tem que exorbitar e que para isso pagamos impostos? E como então se distribuirá a renda que a iniquidade social concentrou na mão de perdulários que em sua maioria sonega esses mesmos impostos? Ah, – voltando ao caso médico – quem não negou um recibozinho de consulta ou cobrou um pouquinho mais caro para fornecê-lo? E deixou de declarar umas coisinhas ali e outras acolá? E não vendeu um ou outro atestado falso? E não colocou a prótese mais cara para receber a propina da máfia da indústria farmacêutica e de equipamentos? E não cometeu um erro médico que a terra cobriu e praticamente ninguém viu? Não entendo o porquê de certas categorias profissionais acharem que são melhores do que outras e que precisam enriquecer no primeiro exercício. Além do que, ainda faltam espelhos em muitas casas e consultórios.
Por favor, não me venham com o discurso “desculpa de peidorreiro”: _Não há condições adequadas de atendimento! _Não existem equipamentos! _Laboratórios! Blá, blá, blá. Quem mandou passarem a formação estudando através de resultados de exames ao invés de aprenderem a tratar de gente e a se especializarem em pessoas vivas?!
Infelizmente, parece que as manifestações de rua arrefeceram depois que indivíduos de caras tampadas resolveram que as aproveitariam para exercitar seu mau costume de estragar o patrimônio privado e o público, preferencialmente, lançando mão também da oportunidade para saquear uma loja aqui e outra ali. Como a polícia foi orientada a fazer vista grossa aos vândalos, o povo do bem foi levado às cordas tonto com a transformação do sonho em pesadelo. Uma pena! A democracia direta só tem a perder quando o Estado não pode oferecer segurança aos protestos legítimos. Mas talvez seja uma paradinha oportuna para muitos lerem os cartazes que estiveram empunhando.

Publicado na OFF agosto/2013

sábado, 6 de julho de 2013

Vem pra rua fazer o debate!



Estão todos tontos: tanto culpados quanto inocentes. Não há quem possa com 100% de acerto dizer qual é o elemento catalizador das manifestações que transformaram as ruas do país novamente na grande Ágora. A esta altura, claro, tem muita gente querendo tirar casquinha na mobilização popular e indo pra rua usufruir de um espaço público feito proscênio a fim de exibir sua bandeira particular. E, à parte, os vândalos que encontraram não apenas a casquinha, mas o sorvete inteiro.

Pouca gente que marcou ponto nas manifestações acredita mesmo na possibilidade do nosso transporte coletivo vir a ser franqueado à população, sobretudo nas cidades de médio e grande porte. Lugares pelo mundo inteiro, e alguns no Brasil, adotaram com razoável êxito a chamada “tarifa zero”. Em comum, eles têm o fato de serem pequenos; uma população que não ultrapassa 50 mil viventes. Ainda assim, tem que se perguntar de onde viria o financiamento para um projeto desse tipo. Tirando de alguma outra necessidade pública como a saúde e a educação? Porque fazer projeto é muito fácil; difícil é achar a grana para financiá-lo. Além disso, é preciso nos lembrar da influência sobre os governos que têm os empresários detentores da concessão do transporte público, principalmente numa cidade como Itaperuna onde estamos, então, tratando de um forte monopólio. Sinceramente, essa bandeira me parece desfraldada inutilmente. Quem viver verá.

De toda sorte, se o MPL foi o grande mobilizador do levante popular do mês de junho, sua causa não é a responsável por fazer o povo ir às ruas com tanta disposição. Aliás, podemos dizer sem medo de errar que o movimento teve um caráter muito mais de protesto do que de reivindicação. Ora, reivindicar exige pauta, certa ordenação e comando propositivo; já o protesto é anárquico e nele cabe de tudo, pois pode ser feito contra o que não nos agrada: desde um vizinho rabugento até os gastos com as obras da Copa, passando por um projeto de lei, pelos cambistas etc.

Contudo, as manifestações deixam uma grande lição para todos. Tão grande que dela se pode aproveitar todos para aprenderem alguma coisa sobre tudo. A fim de tornar isso aqui mais didático, divido o alvo da aula popular em dois públicos. O primeiro é o governo e a classe política. Parece que o poder executivo governa para os humores do legislativo. Há uma explicação: em tese, os senadores, os deputados e os vereadores representariam os anseios do povo. E é aí que está uma das mais propedêuticas lições dos últimos dias: a patuleia não se sente representada por suas excelências, que sabem exatamente porque se chegou a este anacronismo. As ruas ecoaram que democracia não é só voto, não! Sobrou preleção também para os partidos políticos que estão fingindo não ouvirem o povo dizer que não precisa mais deles. E para a maioria dos sindicatos e associações de classe que, ao se imiscuírem na política pequena, se apequenaram também. Resta ainda cobrança para a polícia que, entre idas e vindas, não consegue separar o joio do trigo nestas manifestações.

O segundo alvo são os inocentes. Muitos que se deixam levar apenas pela emoção e pelo modismo à la facebook. Há quem tenha coragem de empunhar um cartaz, uma bandeira, gritar uma palavra de ordem sem de fato entender o que está fazendo. E, desavisadamente, deixa um bando pelo outro, e nem percebe que continua sendo massa de manobra. Tem uma boa dose de inocência também os que não sabem ou não podem exercer liderança sobre seus arrebanhados, que acabam acreditando ser a mobilização um fim em si mesmo e perdem a chance de serem mais efetivos, mais pragmáticos, e alcançarem melhores resultados.

A mim também coube uma lição. Faz tempo, pontuo que o processo de democratização brasileira devesse privilegiar os instrumentos da democracia direta e que a desregulamentação de certas instituições pudesse ir aos poucos sendo feita. É que me dá medo pensar em destruir as instituições ao invés de reformá-las. Acreditei por muito tempo que era possível melhorá-las de dentro pra fora. Não é, aprendi agora! Descobri em pesquisas públicas que tem caído no país o número de eleitores (> 16 < 18 e >70 anos) que não são obrigados a votar. Noutra ponta, aumentam os votos em branco, nulos e as abstenções em todos os níveis. Por que insistir no voto obrigatório? Ele serve para quem e para quê? Aliás, de que adianta obrigar o eleitor ir às urnas se ele não votar em candidato algum? Pra que serve mesmo o título eleitoral se portá-lo não garante o acesso do eleitor à cabine? Instituições carcomidas! Nesse mesmo patamar – tenho que perguntar! –, pra que servem os vereadores, deputados e senadores? Se é pra fazer leis é bom avisar a eles, pois mais de 85% delas são de iniciativa do poder executivo. Essa gente precisa ficar isolada para que chamemos os decentes a uma Assembleia Nacional Constituinte específica para a Reforma Política. E não me venham os juristas de plantão a dizerem que isso afeta a ordem constitucional e coisa e tal. O povo pode fazer as exceções que desejar. As togas também não nos assustam.

Para estas manifestações tenho uma bandeira: para melhorar as coisas na cidade, proponho o fim do legislativo municipal! Aí teremos certeza de que não faz falta alguma; só faz despesa, e alta! Em pouco tempo já nem nos lembraremos de que existiu um dia. Ah, mas para dar tudo certo é preciso que o prefeito de Itaperuna tome posse e administre o município! Estou evitando escrever isso faz um bom tempo, mas diante do arroubo da juventude para cobrar o funcionamento da máquina governamental, tomei tenência e aproveito para exigir do prefeito de minha cidade, que era “cheia de encantos sem par”, que expulse aqueles “anjos” de oração inversa acampados na prefeitura e tome posse de uma vez por todas. A coisa tá feia! Já tem muita gente com saudade da SAÚDE, e tudo mais, do tempo de Paulada. 
Publicado na OFF Julho/2013

terça-feira, 4 de junho de 2013

Violência não tem classe



Quando era menino pequeno lá em Retiro do Muriaé, a violência nos vinha pelas ondas do rádio e da televisão e também pelas páginas do jornal. Era coisa de assustar, pois ainda não estava banalizada em nosso cotidiano. Não estávamos acostumados. Claro que naqueles tempos havia uma briga ali e outra acolá nos campos de futebol amador e nos bailes de música civilizada. Entretanto, a modernidade veio acelerada abrindo espaço e tempo no meio da vida da gente, espraiando-se na urbanização inevitável da década de 1970. Andou assim por pelo menos mais vinte e poucos anos. Tínhamos a sensação que a nossa vida era serena e pacífica. E ainda cultivávamos a fé em que esse mal nunca chegaria muito perto de nós.
Entretanto, nos dias de hoje, temos certeza de que a violência não é coisa de grandes centros somente. Aliás, estudos indicam que ela se desloca muito mais rapidamente do que era de se esperar para o interior outrora pacífico. Pode-se dizer que, em Itaperuna, já se perdeu a inocência de que a violência seja apenas uma reprodução extensiva do que se propala na mídia para virar uma terrível realidade. Não estamos falando da violência no trânsito, por exemplo, que tem atormentado nossas vidas, sobretudo nesses tempos de vertiginoso crescimento do tráfego na cidade. Mas do aumento do número de homicídios, estupros, assaltos a residências e casas comerciais, estelionato e tutti quanti. De tal modo se generaliza o desrespeito pelo outro, pelas leis e pelo contrato de convivência social que é mister reconhecer que os diretos mais primários são vilipendiados como se vivêssemos em estado de guerra.
Pois é exatamente nessa realidade, que não é de modo algum exclusividade de nossa cidade, que crescem não só as ações de protesto de caráter exclusivamente pacífico, de estranhamento – necessário para que cada cidadão tome uma posição a respeito –, de posturas mais críticas às políticas públicas de segurança, mas também do soerguimento de uma violência antiga e carcomida dos primórdios da civilização incivilizada. É contra isso que devemos antenar a nossa vigilância epistemiológica. Toda vez que os níveis de constrangimento físico e/ou moral parecem maiores, não falta o ressurgimento de teses vencidas pelo tempo como as que se alinham ao “dente por dente e olho por olho”, o saudosismo militarista e o conservadorismo religioso. Aliás, todas crentes nos métodos da guerra e do genocídio.
Confesso que não tenho uma opinião formada sobre a redução de idade para a maioridade penal. Mas não vou cavar um posicionamento sôfrego em meio a essa fervura que a mídia registra e também propagandeia. E aproveito para convidar o leitor a baixar o facho e não se deixar levar por soluções apressadinhas de que recolher nossos menores aos presídios que temos no país resolve o problema. Como anda a coisa, nem espaço para o cumprimento de penas de privação da liberdade há ou haverá. Por outra, o modelo de encarceramento – mor das vezes fruto do parco financiamento estatal – é apenas uma troca de papéis entre os violentos e os violentados. De modo algum esse sistema virá a preparar quem quer seja para a retomada do convívio social; ao contrário, nos diz a literatura sobre o tema. Mas não é assim que pensa muita gente que encara a pena de reclusão como uma vingança da sociedade.
Olho para a questão da violência nossa de cada dia com dois olhos: um que vê a civilidade como um processo social (desse modo, sou bastante otimista, pois a humanidade não está piorando; civiliza-se num continum); e o outro, desvela-se para a retomada das famílias do seu compromisso e sua responsabilidade com a educação dos filhos (não é apenas a escolarização, a despeito de que também se espera muito que a escola ajude no processo de urbanidade de nossas crianças e jovens).
Combinemos, há dois postulados em disputa para a solução do problema da violência. O primeiro que acredita ser preciso uma guerra sanitária à la Hitler: agora vão para a cadeia os de 16 anos, amanhã os de 14, depois de amanhã... claro, os pobres, que não podem pagar bons advogados! E, por segundo, nós que acreditamos que a problemática da criminalidade, sobretudo entre os adolescentes, tem causas que precisam de, essas sim, ser combatidas. É necessário e fundamental, quando se debate uma questão polêmica, fazer sempre uma pergunta providencial: a quem aproveita diminuir a idade para a maioridade penal? Não tenho ainda uma posição sobre isso porque desconfio das “boas intenções” de quem defende simplesmente encarcerar os jovens, esquecidos de que o próprio estatuto (ECA) já prevê essa possibilidade.
A sociedade brasileira já avançou muito nessa discussão, pois houve um tempo em que nos faziam crer que a criminalidade tinha em seu DNA a pobreza. De pobreza aí só há mesmo esse pensamento. Esta demofobia quase nos convenceu de que a violência escolhia nascer numa ou noutra classe social. Lembro-me, em tempo, de San Tiago Dantas que dizia da Índia, em outras palavras, o que podemos aplicar inversamente para o Brasil: que tem um grande povão; mas uma elite de bosta.
Publicado na Estilo OFF - junho/2013