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terça-feira, 10 de julho de 2012

O óbvio que ulula


Já venci minha velha necessidade de participar da política partidária, sobretudo depois que descobri que os partidos políticos no Brasil estão cada vez mais iguais. Venho lutando contra o culto à personalidade com que fui educado há quase meio século. Por isso, posso falar de Luiz Inácio Lula da Silva sem a contaminação das visões menores e tacanhas. É que semana passada um motorista de táxi me disse que parou de fumar por causa do ex-presidente. Contou que depois que viu na TV um Lula abatido por um câncer de laringe nunca mais pôs um cigarro na boca depois de ter passado vinte e poucos anos fumando de dois a três maços diariamente.
 O assunto não é tabagismo. Mas liderança. O ex-presidente não só foi o mais importante líder – e talvez o último – que esse país já teve como continua a exercer fascínio sobre importante parcela da sociedade brasileira. Ou alguém conhece outro presidente da nação que, depois de ter governado por oito anos – e eleito sua sucessora – mantém alta popularidade mesmo vivo? Por mais que haja senões ao período em que esteve no governo do país, nem a intelectualidade hipócrita há de negar que a surpreendente não ruptura de Lula com os contratos de Estado tinha tudo para dar em nada. Esperava-se então que tudo fosse mudar para que tudo ficasse como sempre foi. Entretanto o Brasil mudou profunda e rapidamente. E a mais profunda e irreversível mudança diz respeito às políticas educacionais.
Quando a gente estuda um pouquinho a história do Brasil, se surpreende descobrindo que a prioridade educacional do colonizador não era as primeiras letras, nem a formação mínima para o exercício das profissões medianas, mas o ensino superior. Isto é, a educação brasileira começou de cima para baixo. Atendeu-se à nata da sociedade num tempo em que a gente abastada não tinha de se engalfinhar por vagas nas poucas faculdades. Havia para todos. Todos os poucos que tinham base construída nos raros e caros colégios confessionais de lucros privados e custeio público e/ou à base de doações da endinheirada burguesia aristocrática. Portanto, as portas das universidades estavam abertas. Escancaradas mesmo. Por óbvio, gratuitas. Mas os pobres não tinham como chegar lá. E nem tinham ainda inventado a passagem estreita para o ensino superior.
Só mesmo na segunda década do século passado é que a demanda por mão de obra minimamente letrada forçou o surgimento de uma política de alfabetização. Naquele tempo, eram mais de 80% os brasileiros totalmente analfabetos.
De lá pra cá, mesmo quem não conhece a história, há de imaginar que o país, ainda que precariamente, foi plantando escolas públicas no solo da nação. E mesmo que muitos meninos e meninas continuassem alijados da escola por muitas razões, entre elas sobeja o trabalho “na roça” de cuja participação suas famílias não podiam prescindir, algumas famílias pobres conseguiam matricular seus filhos.
De novo a economia exigia mais que a escolaridade mínima à medida que o processo de industrialização avançava e se especializava. Então os governos foram obrigados a criar e a expandir o chamado ensino secundário. E aí nasce o gargalo educacional do século XX.
Quem tem 50 anos, e chegou à universidade, viu quase todos seus coleguinhas do primário e do médio das escolas públicas virarem contadores e professores – na mais promissora das hipóteses –, balconistas, empregados domésticos, servidores públicos de baixo escalão, pedreiros, caminhoneiros, datilógrafos, garçons etc. mal remunerados por pura falta de oportunidade de continuarem seus estudos.
Aqui retomo o Lula. Foi preciso ter um presidente “analfabeto” – como ainda insistem alguns – para se quebrar a garrafa e romper a barreira do gargalo. Com o seu Programa Universidade para Todos – PROUNI –, a criação de 14 novas universidades federais e mais de 50 novos campi levou ao ensino superior mais de 1 milhão de brasileiros. Há muita gente que, mesmo depois de ter ido morar no inferno, não o perdoa por isto: Lula fez justiça educacional.
O Lula nem sabe quem sou. Vi-o pessoalmente duas únicas vezes e em uma delas, pelos idos de 2004, lhe dirigi umas palavras de incentivo. Faria tudo de novo, mas não perderia a oportunidade de lhe perguntar se ele sabia que estava fazendo história na história da Educação do Brasil. O cara é um líder. Sei que responderia: _Sim!

Publicado na Estilo OFF - julho/2012