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sábado, 17 de dezembro de 2011

EU BALANÇO, TU BALANÇAS, O ANO TERMINA

Dezembro será sempre, e covardemente, o mês dos balanços. Se você tem mais de 40 anos sabe que não estou falando de embalos, baladas, animação ou coisa e tal. Refiro-me à prestação de contas. Para os gastadores compulsivos ou não, é hora de invadir sofregamente as lojas e consumir. Comprar é a palavra de ordem do comércio que, se não inventou o Natal, vale-se dele como de uma vaca de quem se aproveita praticamente tudo. A palavra de ordem é: OCUPEM o empório. Já para outros, é tempo de fechar as contas, de confrontar ativo com passivo, de chorar sobre os débitos, de constatar a pindaíba ou de comemorar os dividendos. Para todos, indubitavelmente, hora de colocar muitos pingos nos “is”.
Há tempos sonho com a semestralidade oficial do ano. Acredito que dessa forma, diminuir-se-ia o impacto do dezembro na vida das pessoas e das instituições. E teríamos a vantagem de ver a vida se renovar pelo menos duas vezes em 365 dias mais ou menos. É tanta gente que deixa tudo para janeiro: o casamento ou a separação; o parar de fumar; a dieta; a poupança; as férias; a serenidade. Nas instituições então: a reforma ministerial; a demissão do gerente; o recomeço; a faxina ambiental; o atendimento competente; a seriedade.
Fico lembrando as relações comerciais de antigamente. Meu pai era dono de uma “venda” em Retiro e, nos anos de 1970, acompanhei razoavelmente os negócios. O crédito se chamava “fiado” e os lançamentos de débito eram feitos em cadernetas ou vales. A população rural era majoritária naqueles idos. A palavra valia mais que a assinatura – até porque a maioria era analfabeta. Não havia juros nem inflação. Pasme: o pai de família comprava durante o ano inteiro e a maior parte do débito só era paga na colheita. Não havia necessidade de SPC ou SERASA; mas, de vez em quando, um ou outro sabichão arranjava o prejuízo de algum comerciante.


Esse recorte, que também vem como balanço, me faz refletir sobre o mais importante componente da mudança social que temos vivido nos últimos 30 ou 50 anos: a aceleração. Não fosse a velocidade, e a longevidade dos atores, a mudança ficaria quase imperceptível.
Estou defendendo um paradoxo, parece. O ano passa mais depressa; entretanto, sustento que ele “feche” de 6 em 6 meses – pra balancete. Não há contrassenso em querer isso. Pois, a despeito da realidade que ruge, a legalidade é lenta e acomodada, uma pasmaceira. Por exemplo: nas universidades vige o período semestral. Por que razão, causa ou circunstância isso não vale também para o ensino médio e o fundamental regulares? Aliás, facilitaria que as crianças nascidas em mês posterior ao período de matrícula pudessem entrar na 1ª série logo que completassem 6 anos. Não entendo por que a Permissão para Dirigir tem 1 ano de prova ao invés de 6 meses ou os juros serem apresentados mensal ou só anualmente.
De todo modo, você está fazendo balanço ou balancete por estes dias. Espero que tudo esteja certinho; que todos os seus gastos agora estejam provisionados no orçamento da família pelo resto do ano novo. Minha intenção não é deixar você chateado, trazer-lhe reminiscências desagradáveis... Se o 13º está todo comprometido, é porque em julho já se tinha gastado metade dele. Pelo menos espero que se lembre: janeiro é um mês cheinho de contas a pagar. Desde a matrícula das crianças – baseada na anuidade –, as cotas únicas de IPVA e IPTU, os boletos e cartões de crédito dos delírios natalinos – aqueles agradinhos que no início deste ano você prometera não atrever-se novamente, até as juras que fez regadas a alguma bebidinha (hic) na virada do ano.
2011 não foi como os outros, que nunca foram semelhantes entre si. Foi melhor! A despeito disto e daquilo – da incompetência da administração municipal, exemplarmente –, os que estamos vivos temos sim que comemorar (hic). De minha parte (hic), obrigado por sua companhia (hic). Saúde!

Publicado na Estilo OFF - dezembro de 2011.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Palavras Cruzadas

Quando eu era menino pequeno lá em Retiro do Muriaé, o mundo era muito diferente e a TV em preto e branco. A gente não tinha Ipad, Ipod, tablet, celular, computador ou câmera digital. A coisa mais moderna de que se tinha notícia era a máquina de calcular. Os pedagogos discutiam se ela poderia ser usada na Escola. Os nossos professores não queriam nem ouvir falar de novas tecnologias; exigiam que a gente usasse mesmo era a cabeça. Nela se devia guardar a tabuada, um sem número de fórmulas, o verbiário, as classes das palavras, a análise sintática verbo ad verbum. E, detalhe, as famílias davam o maior apoio.
Desse tempo, minhas melhores recordações são as coleções. Não havia um só moleque ou menina que não se deixasse enlevar por aqueles conjuntos de objetos que guardavam como se cuida de preservar a própria vida. Há quem conserve até hoje bonecas, selos de correio, tampinhas de refrigerante, cartões postais, papéis de cigarro – com que fazíamos extensas correntes –, fotos de artistas, folhas e flores secas nas folhas do caderno, caderno de assinaturas (alguém ainda se lembra disso?), álbuns de figurinha, bolsilivros (mal vistos por alguns pais), gibis... Ah! os gibis. Mágicos, encantadores! Mas havia, entre tudo, uma coisa guardada como troféu: palavras cruzadas. Jovens que se atreviam a fazê-las eram distinguidos. À época, com o ensino enciclopedista na moda, um bom cruzadista era considerado intelectual.
O jogo das crossword, que remonta a Ramsés II, não é apenas um passatempo. O que já foi objeto de censura da ditadura militar brasileira é hoje utilizado com sucesso nas salas de aula e em preparação para o ENEM e outros exames de seleção. E, – vamos combinar – depois que descobrimos que mente vazia é oficina sim do alemão (Mal de Alzheimer), fazer uma cruzadinha é propedêutico e terapêutico.
Sendo assim, sem outra pretensão que não a de relembrar os velhos e novos tempos, preparei o joguinho abaixo para um singular exercício da memória dos que já têm cinquenta anos, e um tantinho de cultura para os mais jovens. Espero que curtam!

 ITAPERUNA PARA SEMPRE




Horizontal
8. Água de propriedades medicinais
11. Extinta agremiação carnavalesca
14. Ex-distrito emancipado
15. Autora de “O Desenvolver de um município”
17. Alcunha de ex-vereador criador de concurso para ele próprio passar
18. Apelido da única mulher eleita vereadora no município
19. Antigo bar no centro da cidade
20. Bar noturno
24. Maestro
26. Antigo jornal
29. Nunca recebemos a parcela desse imposto por incompetência dos gestores
30. Companhia de Teatro de Itaperuna
31. Pseudônimo de produtora de moda
34. Índios que habitavam a região
35. Imperador que visitou Itaperuna
39. Antigo time de futebol
40. Fábrica de freios
41. Sobrenome artístico de famoso transformista
42. Ex-pároco da São Benedito
43. Famoso hotel
45. Padroeiro
46. Como é conhecido o distrito de Nossa Senhora da Penha
47. Antigo morador de rua, depois recolhido ao Asilo
48. Antigo "preparatório" para o vestibular
49. Famoso diretor do colégio 10 de maio
50. Livro da nossa história
53. Antigo Magazine
54. Terra de Ary Moreira Bastos
55. Ponto turístico no 5º distrito
58. 1ª Faculdade de Licenciaturas
59. Avenida
61. Antiga aguardente que não é mais produzida
 
Vertical
1. Autora do hino do município
2. Médico respeitado
3. Mais badalada professora de língua portuguesa
4. Sobrenome do poeta que dedica “Ode ao café” a Itaperuna
5. Suplente de senador
6. Desbravador
7. Vereador pelo PDT Relator da Lei Orgânica
9. Distrito onde há uma usina hidroelétrica
10. Prefeito morto no exercício do 3º mandato
12. Mais nova Escola Municipal
13. Prefeito que criou o calçadão central
16. Poeta de “Meu sangue flui Fluminense”
21. Espirituoso farmacêutico
22. Última palavra no pórtico da cidade
23. Festa do município
25. Faz muita porcaria na cidade
27. 32 anos de pastoreio na Igreja Batista
28. Nome de rua central
32. Maior tempo de permanência como Secretária de Educação do Município
33. Antigo consertador de rádio em Retiro do Muriaé
36. Distrito onde fica o C. E. Senador Sá Tinoco
37. Banda de sucesso
38. Atual prefeito
41. Peixe que deu origem a um meteórico festival
43. Cantora lírica
44. 7º distrito
48. Velha casa de saliência
51. Artista global
52. Distrito era conhecido como “Oco-do-pau”
56. Clube da melhor idade
57. Jovem violonista
60. Revista da moda
62. Extinto clube popular
63. Antiga sala de cinema desativada
 

Prometi  mostrar a cruzadinha respondida, mas não resisti a completar apenas as vogais "A" para que você tenha mais uma oportunidade de acertar tudo.
Um abraço.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Que droga!

Estação do Estácio, 7 horas da manhã, domingo. Sentei-me para esperar o primeiro trem. Um metrô quase vazio. Nos bancos ao lado, um grupo de jovens uniformizados de garçom – pensei – deixam rolar um papo madorrento:
_ Hoje é dia de almoçar com o velho.
_ Vá te @*#%>, mané!
_ Eu queria mesmo é que ele pegasse um bagulho comigo. Mas meu pai parece não ser mais disso.
_ Com jeito todo mundo dá um tapa.
E o papo rolava solto. Uma aula sobre drogas ilícitas vulgares e os últimos lançamentos como o Ecstasy e o novíssimo Oxy. O gordinho alto fazia questão, com seu ar meio pedante, de mostrar que estava por dentro, e até detalhava os efeitos de suas mais recentes experiências. Explicava que o crack era uma cocaína bem mais barata. Uma “forma de democratização” do uso; acessível aos consumidores de baixa renda. Praticamente uma segunda linha; venda dirigida aos pobres.
_ Vem o trem aí!
Era mesmo. Já me impacientava aquela conversa mole dos universitários metidos a mauricinhos que faziam bico nalguma festa rave madrugada adentro para descolar uns trocados e muitos baseados. Aliás, refleti o porquê de num país onde os criminosos escondem a qualquer custo os seus malfeitos, esses jovens fazem confissão pública – a La Jóbson (Botafogo) – de seus usos e abusos drogatícios. De duas, três: ou não se importam com o julgamento alheio porque se acham superiores à sociedade, ou não consideram o ilícito do uso de drogas, ou as duas coisas.
Pus-me a pensar no premiadíssimo “Ilha das Flores”, largamente disponibilizado na internet como no endereço http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28. O curta de Jorge Furtado, feito em 1989, é excêntrico. Conseguiu a proeza de ser considerado ateu e religioso ao mesmo tempo, claro que por autoridades diferentes. Para ajudar meu leitor a entender a trama dou-lhe uma sinopse dos treze minutos do documentário:
Abertura – A câmera caminha em meio a uma plantação de tomates em direção ao senhor Suzuki, representante da raça humana. Os seres humanos se distinguem por ter um telencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor.
Sequência – As imagens, explicadas por um narrador em off – mostram a produção e a comercialização do tomate do agricultor japonês até chegar à casa de dona Anete, que descarta para a lixeira um dos tomates que julgou impróprio para o consumo de sua família.
Final – a disputa entre porcos e seres humanos pelo tomate da dona de casa que chegou ao lixão.
Na verdade, o filme mostra “como a economia gera relações desiguais entre os seres humanos”. Esse é o ponto em que tomate é a metáfora da droga. O Solanum lycopersicum jogado fora por quem pode pagar por outros néctares é disputado entre porcos e gente. Só que os humanos levam larga vantagem, porque têm o encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor – que faz o movimento de pinça e, nesse caso específico, é fundamental.
A discussão sobre o uso de drogas avançou no mundo todo nos últimos anos, sobretudo em razão da larga escala em que são consumidas. A Organização das Nações Unidas estima que 5% da população mundial seja consumidora de drogas ilícitas. Isso equivale a aproximadamente 200.000.000 (duzentos milhões) de usuários, eventuais ou frequentes, de maconha, cocaína, heroína, crack, anfetaminas, entre outras. Para tanto consumo, estima-se a produção anual de mais de 10.000 toneladas de drogas. Acho que a produção é muito maior. Caso não fosse, parte dela não seria descartada para o lixo. É como chamo o lugar onde os mendigos da droga vão buscar sua comida! Saldão de drogas baratas, que se arranjam nas cracolândias da vida; são os restos que caem da mesa dos donos. E, de propósito, são colocados para a disputa entre porcos e o que resta de humano em usuários obstinados que, agora, só têm o polegar opositor.
No meu tempo, usar um baseado era coisa de hippies, rockeiros e modernosos de outras estirpes. Mas, agora, o consumo de drogas ilícitas pela juventude banalizou-se. E, por isso, é tão difícil convencer usuários de drogas a se livrar delas com o argumento de que fazem mal à saúde – como insistem as campanhas contra o tabagismo, por exemplo. Todos eles sabem disso. Experimentam, dependendo da natureza da droga e da frequência, os distúrbios orgânicos e psicossomáticos que provocam. Há ainda campanhas completamente equivocadas do tipo “Não às drogas”, “Drogas, tô fora” ou “Sou careta, não uso droga” que, usando uma linguagem pseudomoderna – na verdade, negativista –, vão de encontro ao desejo de liberdade e ao gosto pela rebeldia característicos da juventude. E, assim, não logram efeito sobre os drogatícios. Pois não fazem ver aos usuários seu lugar na imensa e sórdida cadeia que alimenta a violência contra gente inocente dentro e fora da teia do consumo.
Vira e mexe, somos sacudidos pela perda de jovens que se envolvem de alguma ou de todas as maneiras com as drogas. São mais mortes por homicídio do que por overdose. As famílias estão perdendo seus filhos e filhas na sangrenta disputa entre porcos e os polegares opositores. Até quando?!
Pois é! Zangaram comigo porque, no último artigo, disse que “existem muitas oportunidades desperdiçadas por aí”. Infelizmente, terei que continuar dizendo isso. Não foram mais de dez os professores da região que fizemos o Curso de Prevenção ao Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas oferecido largamente pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Tão absorto estava que não me dei conta...
_ Estação Cardeal Arcoverde!
Já não vi mais nenhum dos jovens protagonistas daquele papo-retrô. Desci para cuidar da própria vida.

Publicado na Estilo OFF - outubro/2011.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Questão de Educação


Dizem que o Brasil é um país paradoxal. Eu diria que é extremoso. Quando era moço, ouvia dizer que o nosso país se assemelhava a uma belíndia. Isto queria dizer que, quanto à repartição das riquezas, a nação era uma mistura da rica e pequena Bélgica com a pobre e imensa Índia. De lá pra cá, muita coisa mudou. Os indianos e os brasileiros estão entre as maiores economias do mundo e os belgas... bem, os belgas não estão nesta lista.
Entretanto, o Brasil continua sendo um país de extremos sociais. Embora tenhamos avançado bastante na última década, nossa concentração de renda ainda é um calcanhar de Aquiles. Muita gente, especialista no assunto, gosta de atribuir todas as nossas mazelas à difamada origem luso-afro-indígena. Um grande intelectual chegou a dizer que o Brasil é a mistura da cultura ibérica, que é a cultura do privilégio; a cultura africana, que é a cultura da magia; e a cultura indígena, que é a cultura da indolência. Há quem se encante com esse tipo de explicação. Particularmente, penso que muita dessa verborréia vem depois que certos sábios tomam doses de elixir paregórico.
A panacéia do crescimento econômico, acreditem, é o investimento em educação e não os determinismos étnicos ou estéticos. Não é preciso ser Herculano Quintanilha para saber que os chineses irão fechar o ano de 2011 como tops da economia mundial. É só olhar a revolução que estão fazendo em sua Escola. Podemos dizer mesmo que Educação é sim “um negócio da China”. Em 12 anos, os chineses saíram do 4º para o 1º lugar no quadro de medalhas olímpicas. Não considerem que chegaram à frente de todos exatamente porque os jogos se deram em Pequim. Isso não foi coincidência, mas planejamento e determinação. Em educação propriamente dita, vou amolar você com dois números do PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos – que mede o aprendizado em Leitura, Matemática e Ciências de alunos com 15 anos. Os chinesinhos ficaram em 1º e em 2º lugares. Entendeu? Não?! É que os organizadores do teste dividiram a China em duas regiões: Shangai e Hong Kong. Sabe em que lugar o Brasil ficou?! Deixa pra lá. Só mais um número: sabe qual é o país onde mais gente quer se tornar professor?! É lá mesmo onde você pensou.
Outro dia, nosso editor mandou-me um e-mail falando do polêmico Projeto de Lei do senador Cristovam Buarque que “Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.” Ele tá paradão – desde 2007 –, lá na Comissão de Constituição e Justiça, esperando desesperadamente por um relator. É que só o povo tem interesse que o projeto vire lei. A mim fica parecendo que o respeitável senador está jogando para a plateia, vez que a ideia tem aparência e cheiro de inconstitucionalidade. Não passa da CCJ. Minha metade vingativa ainda deseja a aprovação do Projeto.
Estudei em escola pública até a 3ª série primária, como se falava. Naquele tempo, a escola pública era muito objetiva. Entretanto meus pais e irmãs mais velhas achavam que o Colégio Bittencourt era melhor para mim. À época, falava-se que a escola particular era onde “papai pagou, passou”. Comigo não foi assim. De qualquer forma, nós éramos o que se podia chamar de belgaleiros. Hoje sou professor na rede pública e reconheço que, a despeito dos esforços que muita gente séria faz, não temos atendido às expectativas por uma escola pública de qualidade, exceto, talvez, na Educação Superior.
A ideia de a matrícula obrigatória em escola pública para os filhos/dependentes de agentes públicos é um extremismo dessa gente que vive num país em que os termômetros vão de 0 a 40 graus na mesma estação. Não se pode querer a qualidade da escola pública e universal à custa do direito de quaisquer cidadãos de matricularem seus filhos onde escolher e puder arcar com os custos, mesmos que esses sejam detentores de mandatos eletivos. Ainda que possam abater no Imposto de Renda os encargos da escolarização, não dá pra contestar o direito à opção. Ninguém, em sã consciência, prefere o que acha pior.
Quando a classe média alta matriculava os seus filhos no, então glorioso, Colégio Estadual Marechal Deodoro da Fonseca, fazia-o por ser aquela escola a melhor de Itaperuna. Quando os professores, mesmo trabalhando também em outros educandários, punham seus filhos a estudar em uma escola pública, criam estar fazendo a coisa certa. Quando a classe média matricular novamente seus rebentos na rede pública, é porque ela estará boa e/ou irá ficar melhor ainda.
O Brasil passa por uma grande reestruturação de sua pirâmide social. Por isso, a Escola Pública – isso inclui governos, gestores e professores – precisa decidir se quer a matrícula dos filhos da nova classe média. Para isso ela precisa melhorar muito. Os new rich compram as bugigangas da Casa & Vídeo, têm celulares pré-pagos e amam modismos musicais; contudo querem botar seus filhos estudando em boas escolas.
Os governos devem cuidar dos extremismos. Não é mais possível conviver com a farta distribuição de bolsas de estudo no exterior, que podem custar até 200 mil dólares aos cofres públicos, e com o pão-durismo da prefeitura de Itaperuna que – por causa de merreca – se nega a providenciar transporte para os nossos universitários que estudam a 100 km daqui. Ah, claro! Precisam, também, considerar a impre$cindibilidade do profissional da educação, já que estamos neste parágrafo falando de dinheiro.
Os gestores e professores precisam buscar com mais afinco melhorar sua formação, inclusive naquilo que está para além dos currículos – estou puxando a orelha, porque existem muitas oportunidades desperdiçadas por aí, atualmente.
Não quero ser extremista; mas, por fim, lembro ao leitor que nos educandários da China, da Coreia e do Japão – tenho notícia – os pais costumam passar uma parte do período integral de estudo de seus filhos observando in loco como se dá a educação na escola. Mas, por aqui...

Publicado na Estilo OFF - setembro/2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Teoria da Conspiração

A grande nuvem escura
Já me envolveu
Me sinto até batendo
Na Porta do Céu...
Bob Dylan em tradução de Zé Ramalho

O assunto hoje são as coisas que parecem não existir. É! Pois o fato de algo não ter sido realizado – assim tim-tim por tim-tim (com onomatopéia, por favor) – não pressupõe que ele não exista. Estou falando não apenas no plano das ideias, filosofando... Quem é católico, por exemplo, estudou no catecismo que o pecado não se resume a erros concretos (ATOS) cometidos. Têm-se ainda a desnudada da PALAVRA, o danado do PENSAMENTO e a excomungada da OMISSÃO. Então, existem coisas que não vemos, das quais não sabemos, nem ao menos recebemos notícias. Entretanto, elas podem ter a concretude de uma pedra e a sutileza de um poltergeist.
Ultimamente, ando muito interessado na chamada Teoria da Conspiração. Talvez o meu leitor não saiba exatamente o que vem a ser isso. Mas certamente tem a sensação de que não pode ser coisa boa já que conspirar tem o mesmo radical de conspurcar que é sujar, macular. Pois é, a tal teoria supõe que um conjunto de pessoas elabora um arranjo para fazer – em última instância – a sua vontade, ainda que sob a aparência de que está fazendo a nossa ou até mesmo a de Deus. E por que isso é apenas uma hipótese? É porque os danados destroem 99,9% das provas do mal feito. Daí, quando colocados diante de uma teoria dessas, a gente se benze... não acredita. Ou não foi assim que você ouviu dizer que o governo dos Estados Unidos está por trás do “11 de setembro”; a Lady Diana foi assassinada; o Homem jamais pisou na Lua; Getúlio Vargas não se suicidou ou que Tancredo Neves foi “adoecido”? Não vá pensar que os teóricos da conspiração estão por detrás apenas dos grandes eventos. Nada disso, no microcosmo de uma cidade como Itaperuna, por exemplo, há espaço suficiente para os porões da sujeira, da trairagem, do disse-me-disse.
Não por falta do que fazer, às vezes fico elucubrando sobre a política local. Acho que nosso prefeito está numa sinuca de bico. Não vai aqui o julgamento das boas intenções de quem quer que seja, até porque delas o inferno anda cheio. Todo cidadão gostaria de administrar a sua cidade, mas nem todos podem. Depende-se de um mandato, que só se conquista em eleição, pelo voto popular. Esse é o primeiro entrave. Mas às vezes o indivíduo é alçado à condição de colaborador, um secretário, por exemplo, e pode contribuir com a coletividade. Mas isso não é o mesmo que ser o mandatário a quem cabe a responsabilidade última de todas as coisas feitas bem ou mal e também das não feitas que, na maioria dos casos, representam um número exponencialmente maior. Como desgraça pouca é bobagem, todo mundo acha que poderia fazer melhor. No futebol, na medicina, na educação dos filhos e na prefeitura também, muita gente se acha mais capaz do que o efetivo. Por isso não fica satisfeito apenas em dar pitacos nas obras, na condução das políticas públicas, na ética etc. e quer mais. Além disso, o povo é cada vez mais exigente: se fazem a rede de esgoto, pergunta-se logo quando irá começar o calçamento, a iluminação, a coleta seletiva e por aí vai. Nunca vi alguém preocupado com a origem dos recursos. Diz-se logo que “eu pago meus impostos e portanto...” Esse é o povo. Quase invariavelmente não surpreende quem administra. Tirante, claro, aqui na pedra preta, onde há gente capaz de juntar os vizinhos para calçar a própria rua, tampar os incontáveis buracos, capinar, varrer, plantar flores... já que a prefeitura não faz seu dever de casa.
2012 terá eleições. Pra prefeito, inclusive. Mas elas começam agora. E para alguns já é tarde. Santo Deus! É um falatório que não acaba mais. Nesse momento o que há de candidatos a candidato a prefeito ou prefeita é uma enormidade; passam de uma dúzia. E há o instituto da reeleição que, praticamente, obriga o mandatário a se candidatar. E ele sempre “obedece”. Se o nosso prefeito Paulada se candidatar, ficarei me perguntando se três de seus secretários o apoiarão. Dois?! Se um só o apoiar já se estará desafiando as más línguas da cidade. Por outro lado, se ele for apenas a noiva... irão chover nubentes, ainda que as leis brasileiras proíbam a bigamia. Se o prefeito não sabe nada disso, está mais enganado do que personagem de “Insensato Coração”. Ou talvez se fie na condição de caixa de Pandora.
É nesse ponto que entra a Teoria da Conspiração da qual o prefeito é a vítima potencial. Cingiram-lhe os rins e o levam dois pra lá, dois pra cá; pra um partido e prum outro, a um gabinete e outro. Parece até o Zé Ramalho naquele refrão do Dylan, meu Deus. Não conheço cortesãos, ao lado de FSFP, que deseje sua reeleição. Mas fazem parecer que sim. Estão é com os dois olhos em projetos com chance de sufrágio. Mas até lá (o DAS e o status que têm servem!), conspurcam. E a favor de quem?! O leitor é inteligente! Pode responder à pergunta: nas esferas Federal e Estadual, a quem interessa essa reeleição?!Ou ainda existe quem duvide do alinhamento político-partidário das baias de poder? Que não seja você, espero. Os governos de Dilma e Cabral já têm acordos, digo, compromissos. Não é por maldade ou pirraça que impedem o município de ter as verbas de que precisa; é por pragmatismo eleitoral. Esquecem, entretanto, os magarefes que os munícipes têm estômago. Ao povo só resta esperar a secura passar; ao prefeito, estrebuchar. Com a arrecadação sequestrada mês a mês pelas empreiteiras, os aluguéis, os salários e os projetinhos baratos que irão pipocar mais e mais, a última cartada financeira é enfiar goela abaixo do povo a famigerada Taxa do Lixo, que não irá melhorar nada; só manter o serviço da dívida. E tem a pretensa futura distante cobrança de Estacionamento Rotativo... mas isso vai demoraaaaaaaaaaaaaaaaar. Veja que não escrevi uma linha sobre corrupção que, noves fora tudo mais, é avassaladora.
Ontem me deliciei aqui em casa com a comédia norte-americana “A grande barbada”. Quando você estiver assistindo Jay Trotter acertar todas, lembre-se da corrida à prefeitura de Itaperuna. E aproveite para fazer sua aposta e, conspirar um pouquinho que ninguém é de ferro.

 Publicada na revista Estilo OFF - agosto/2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Elegia 2011: muito herói pra pouco heroísmo

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
Carlos Drummond de Andrade

O bom de morar num país democrático é que se pode falar o que bem entender sobre quaisquer coisas. Aliás, o Supremo Tribunal Federal acaba de proclamar que as “marchas da maconha” não podem ser reprimidas; que, ao contrário, o poder público tem o dever de garantir aos cidadãos o direito de se reunirem. E mais: a polícia deve vigiar para garantir a boa realização de todo tipo de manifestação. Tudo porque está na constituição, nos nossos “direitos e garantias fundamentais”. Portanto, quem quiser discordar precisa começar algum movimento para mudar o artigo 5º (Lembro aos neófitos que os “direitos” constituem Cláusula Pétrea.), principalmente o inciso IV onde está escrito que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Eu não tenho dificuldade nem com uma coisa nem com outra. Afinal, estamos a um passo da liberação do uso da cannabis sativa; eu aguardo ansioso é pelos tempos em que, finalmente, teremos um efetivo repelente de pernilongos que por aqui estão a dar com pau.
Gosto mesmo de observar as transformações da sociedade. Tenho esse sentimento de mundo e vejo com cuidado, por exemplo, a evolução das palavras. Nos últimos tempos, o vocábulo HERÓI ganhou desenfreado uso e abuso por aí. Desde que Cazuza declarou que seus “heróis morreram de overdose” até o surgimento de toda uma categoria de servidores públicos que assim se autoproclamam, passando pela apologia ao império do ócio, da maledicência e do sexo sem compromisso autorizado por Pedro Bial, ao chamar os brothers de “nossos heróis”, a coisa virou ramerrão.
Nos primórdios, a deferência era distribuída com parcimônia. A gente não topava com heróis – e menos ainda com heroínas – pelas ruas fazendo roteiro turístico enfadados da mesmice do Olimpo. Sim, porque a origem do termo é exatamente sua ligação com as divindades. O herói era um semideus ou assim categorizado por ter feito um ato heroico. Depois a gentileza foi sendo distribuída à volonté. E ficou tão banalizada a ponto de ser preciso inventar os super-heróis para que não morresse a idéia de homens mais que humanos, capazes de gestos e comportamentos para além das fraquezas puramente biológicas dos mortais e das crendices estapafúrdias que mantêm a indústria da religião.
Há muito que o espírito heroico jaz, como diria Drummond, mumificado em bronze nalgumas praças das cidades ou recolhido “aos volumes de sinistras bibliotecas”. Sim, porque não se pode mesmo chamar de herói alguém que por dever de ofício faz o que tem de fazer. Ou que, sobretudo, faz mais do que devia e depreda o patrimônio público em nome do espírito de porco, isto é, de corpo.
Ando enjoado com a vulgarização do termo. É herói pra tudo quanto há de bom e de ruim. Para ser politicamente correto, nem se pode mais falar de anti-herói – termo, agora, restrito aos registros literários históricos.
Dias desses me deparei com uma novíssima categoria de “heróis”. Surgiu exatamente no STF, que parece estar na moda. São heróis diametralmente opostos. De um lado o ministro Ayres Brito – elevado à categoria de musa dos homoafetivos – ensinando-nos que “nosso órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses". De outro, o advogado itaperunense Ralph Anzolin que, sob os auspícios da Associação Eduardo Banks, defendeu, na condição de amicus curiae, contra o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Infelizmente não aprendemos nada com sua verborreia mais em gaguez do que em português. Mesmo assim ele virou herói da contraparte quando deveria ser apenas um amigo da corte. Fazer o quê? Esse exemplo não é pra criar apologia disto ou daquilo; é pra nos fazer pensar que o heroísmo tem lá suas vicissitudes.
Houve tempo em que veio o divórcio que antes era desquite e anteriormente o apedrejamento das mulheres. Que venha então a maconha, a eutanásia, a união homoafetiva. Pois, com efeito, se duas pessoas do mesmo sexo querem viver juntas e desfrutar dos direitos que todo indivíduo deve ter, em que isso pode atrapalhar a minha vida ou a sua? À minha, nada. Se isso o incomoda, talvez não ande satisfeito com o seu plus, mocho herói.

Publicada na Estilo OFF junho/2011.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Canteiro de moças e velhas

Esses moços pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Lupicínio Rodrigues

Cultivo um canteiro de Zinnia eleganso do outro lado da rua esburaca, da qual a prefeitura não quer nem saber, bem em frente a minha casa e nos fundos de um mal cheiroso abatedouro. São lindas! Nessa época do ano as borboletas completam o quadro vivo que eu acho à Monet. Enquanto me delicio com essa visão de céu, um olho desatento adeja dentro de casa e repara uma “Super Interessante”. A revista estava lá sob o balcão e não pude deixar de ler: “Em 50 anos é possível que ninguém mais morra de velho.” A reportagem dava conta do arsenal de drogas e tecnologia preparado pela ciência que promete nos manter vivos para sempre. Assustei-me. Isso é que é mesmo a vida eterna?
Você já pensou realmente na possibilidade de viver mais uns – quem sabe! – 100 anos? Isso significa atravessar todo o século XXI e ainda uma rebarbinha do próximo. É preciso considerar um montão de coisas a fazer e reconsiderar outro tanto de miudezas. Há gente que passará a escolher mais demoradamente quase tudo: do prato que irá pedir no restaurante até com quem se casará e prometerá viver o resto de sua vida, passando pela roupa (“pro samba que você me convidou”) com que se apresentará na feijoada da Estilo OFF. Namoro de 6 ou 7 anos, com noivado de mais um tanto é fichinha. Aí sim poderemos dizer que temos “uma vida inteira pela frente”. Sobrará ocasião até para os arrependimentos ativos tais quais os passionais, que geralmente vão sendo adiados sine die. Os planos? Todos em longo prazo. Nada será para o próximo ano, mas para o quinquênio, pelo menos. Imagine quanto poderemos abusar das reticências!...
Sabe-se lá, quanta reforma se fará na previdência social para ir adiando a nossa aposentadoria! Ninguém poderá se dispensar aos 60 ou 65 anos; só a classe dos políticos. E seus apaniguados. Eles se aposentarão e continuarão, com seus direitos adquiridos, a trabalhar no negócio, isto é, no serviço público. Assim, nenhum prefeito jovem poderá reclamar de servidores que ganhem mais do que ele. Nem por desconhecimento, nem por descontentamento, nem por inveja e, menos ainda, por falso moralismo.
É claro que estão prometendo que o corpo irá se manterá em forma para toda atividade laboral - e de consumo, lógico -: o uso das roupas da moda; a frequência às academias de ginástica; a ingestão de bombas; vários lazeres que inventarão; férias na Lua, em outros planetas e mais um século de atividade sexual. Aguenta!
Eu não duvido desse “envelhecimento” ativo e aconselho que ninguém o faça. A ciência poooode! Mas fico pensando em como nossos valores, a ética, as crenças pessoais poderão suportar a realidade dinâmica desses tempos cada vez mais novos e surpreendentes. Mesmo acreditando que o mundo está melhorando, e não o contrário, o tal conflito de gerações será uma realidade sempre mais avassaladora. Já pensou nos tataravós criando seus tataranetinhos, presenciando o namoro das crianças; na pensão alimentícia, na pena de reclusão?!...
Não sou bom nessas coisas de conjecturar o futuro. Antes, isso me assusta. Mas ficar vivo para sempre e presenciar a deteriorização das instituições políticas e da administração pública não me parece um bom negócio para gente da minha geração. Nós que já quase nos livramos do estigma de “filhos da ditadura”, quando parecia que as utopias tinham mais força e éramos determinados a construir uma comunidade mais justa e solidária, agora nos tornávamos fósseis vivos do tempo do trema e da língua portuguesa formal e inteligível.
Reparando melhor no canteiro de moças-e-velhas, vejo que as borboletas se alimentam quase que indistintamente das flores jovens e das menos jovens. A beleza, o colorido, a variedade residem nessa esfuziante mistura. Acho que a natureza vive para nos dar lições. Vira e mexe algum mal educado teima em arrancar uma flor e de safanão acaba por roubar a planta da terra. Não de mim, que cuido do jardim como se fosse – e é, porque plantado no que seria a calçada de um terreno baldio – uma coisa pública. O que me assusta nesse projeto humano de vida eterna é que os mandatos eletivos seriam extensos demais... Ainda bem que a gente morre.


Publicada na Estilo OFF em junho/2011.