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sábado, 3 de abril de 2010

Entre Brasília e Itaperuna

Um dos mitos que ouço desde criancinha é que após a construção dos extensos gramados de Brasília – que faz agora 50 anos - coube aos pedestres determinarem pelo uso os passeios a serem pavimentados. Isso não encontra respaldo na realidade, pois o projeto arquitetônico da Capital Federal se lixava para os transeuntes; foi concebido para esboçar a modernidade da incipiente indústria automobilística e a solução do transporte individual. Isto é, a mobilidade da cidade se apoiava nas vias confortavelmente largas e bem traçadas configurando sua insustentabilidade megalomaníaca a quatro rodas. O único traço a considerar o pedestre são seus edifícios sob pilotis que nos permitem atravessá-los lados a lados. Nunca, naquele tempo, o senhor Lúcio Costa poderia se vergar à profecia de um futuro de transportes de massa ou de deslocamentos a duas rodas sem motor, ou seja, à bike, como insistem nossos jovens. Brasília se acha conceitualmente uma cidade pronta e acabada para ser habitada por “um sujeito universal e anônimo que se encaixe perfeitamente em suas concepções”. A despeito dos esforços que fazem para humanizá-la, distribuindo lotes e panetones de Natal em sua periferia, a cidade permanece estática. Foi concebida para ser assim, de pedra.
Gosto muito mais de morar em Itaperuna. Aqui a gente pode se arrepender, voltar a trás, conjecturar, pretender ser o que ainda não é, desmanchar e refazer, reformar e corrigir, inventar profecias. Vivemos numa cidade cheia de possibilidades. Agorinha mesmo perdemos uns bons caraminguás do ICMS Verde por pura ineficiência da administração municipal. Os maganos simplesmente não enviaram o relatório informando as melhorias da cidade na área ambiental ou não cumpriram as exigências da legislação. Neste caso não basta se arrepender; é preciso cobrar responsabilidades.
Mas, voltemos à arquitetura. Detesto me lembrar que destruímos as nossas estações de trens – há municípios vizinhos que arranjaram boa utilidade para elas. Aliás, aqui pusemos abaixo inclusive a estação rodoviária em 1984. Era uma construção soberba em termos de alicerces e poderia ter sido mantida sobre pilotis sem atravancar o passeio do distinto público. Daria uma bela biblioteca e hoje a prefeitura não teria, após procurar muito, de instalá-la num ponto completamente fora de mão, pois a travessia que leva a ela é uma das picadas em que os pedestres mais arriscam a vida no trânsito furioso da nossa cidade.
É incrível como o poder público quase sempre consegue ser tão anacrônico. Fico olhando aquele chafariz com que homenagearam o Sr. Hermes de Novaes Leite. É muito triste quando se quer ser moderno sem a tutela da inteligência. Construíram uma fonte (leia-se: depósito de larvas de mosquitos) iluminada que nunca funcionou – a água não jorrava e as luzes não acendiam. Na verdade foi uma pedra no meio do caminho dos transeuntes, só pra lhes embaraçar o ir e o vir. O governo anterior – por razões inconfessáveis – cismou de “consertar” a fonte. A engenheira responsável pelo projeto conseguiu uma proeza do design reformista: tornou horrorosa uma coisa que já era feia e sem serventia.
Já o povo, não! A gente consegue tirar proveito do mal feito. O gradil que cerca o tal chafariz tornou-se fonte de segurança das bicicletas com que os cidadãos modernos vão até o centro da cidade. É a consagração pelo uso. Só falta uma ajudazinha dos gestores municipais: ouvirem a voz das ruas e construírem no local do estorvo – e em outros, obviamente – um bicicletário. Isso é modernidade nesses tempos de locomotividade alternativa.