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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Eleições, Celulares e Celeumas

A escolha é a alma gêmea do destino.
Sarah Ban Breathnach

Há 20 anos, ninguém esperava por um telefone celular. No máximo, algumas pessoas desejavam um telefone sem fio. A indústria providenciara uns aparelhinhos que nos permitiam andar livremente pela casa - às vezes, até pelo quintal - sem o incômodo cordão espiralado a estorvar-nos a liberdade. Para atender a demanda comercial, a ciência procurava miniaturizar o rádio a fim de que se tornasse um telefone de caráter móvel.

De Hertz (1888) aos Laboratórios Bell (1947), a telefonia móvel não passava de rádio-transmissões. Em 1973, a Motorola lança o primeiro telefone celular com 25 x 7 cm pesando 1 quilo (um tijolão!). Na década de 1980, japoneses e suecos completaram a obra iniciando o processo de digitalização. No Brasil de 1990, a Telerj lança, na cidade maravilhosa, o nosso primeiro celular. Aí não parou mais. Segundo a Anatel, em julho deste ano, chegamos a 135.330.980 assinantes do Serviço Móvel Pessoal, com um incremento de 24,17% nos últimos 12 meses, muito além do crescimento do país. Pelo que se vê, o celular - agora com status de substantivo da língua portuguesa - transformou-se no produto mais vendável (e por certo, rentável) deste milênio.

Quando da transição de Telerj para Telemar, pelos idos de 1997, trabalhava como consultor - vendedor, pra ser mais preciso - da empresa. Uma de nossas tarefas era fuçar nichos de mercado para vender telefonia móvel. Lembro-me de que ficávamos elucubrando sobre que tipo de profissional desejaria adquirir um telefone celular. Hoje - claro que o celular é muito mais coisas do que um telefone móvel - não procuraríamos clientes somente entre profissionais disso ou daquilo, mas entre todos os humanos de todas as idades, de todos os credos e de todas as classes sociais.

A celularmania tem tomado proporções tão impressionantes que pipocam nos estados, e até em municípios, leis que visam coibir seu uso em determinados espaços como nas escolas e presídios, por exemplo. Alguns líderes religiosos têm pregado severamente e lançado pragas e castigos contra sua presença em templos e afins. Os órgãos de patrulhamento do trânsito fazem lembrar que o artigo 252 do CTB proíbe a condução de veículo com apenas uma das mãos ao volante. Então, falar ao celular enquanto dirige pode custar, além da multa, a perda de 4 pontos na carteira. Já há até mesmo diagnóstico sem prognóstico da Nomofobia - medo de ficar incontactável através do telemóvel. Segundo pesquisa, entre os britânicos, 53% dos usuários de celular sofrem deste tipo de fobia.

Precisamos nos lembrar de que somos uma sociedade de classes e, é claro, o modelo de celular que se usa é sim uma demonstração de pertencimento a uma casta. Mas esse é um detalhe de menor visibilidade. À distância todos os aparelhos parecem iguais. O status agora está em você ser um “recebedor” ou um “ligador”. Quanto a isso, já se inventou toque de chamada a cobrar que responde com um hit debochado: “um pobre ligando pra mim”. E os “recebedores” ganharam a alcunha de celular “pai-de-santo”. Para roubarem um celular, os bandidos primeiro perguntam à vítima se o aparelho é pré ou pós-pago, e também se “tira foto”. É um perigo não ter a maquininha adequada, pode-se ofender o marginal e as conseqüências serem desastrosas.

Adotei o mote de um amigo que diz ser o celular uma “coleira eletrônica”; não uso. Estou pensando mesmo em fundar o MSCdeC: Movimento dos sem celular de consentidos. Quero lutar pelo direito de não ter um número de celular. De não ser encontrado e incomodado em qualquer lugar e a qualquer hora pelo toque nervoso de uma chamada telefônica; de não ser interrompido; de não atrapalhar o sermão do pregador ou a aula do professor; de não estragar a ereção; de não guiar um veículo perigosamente; de não contrair mais uma doença; de não permitir que a indústria da telefonia crie em mim uma necessidade onerosa. Além disso, nosso movimento irá orientar certos usuários - segundo diz minha mãe, “não têm um pinto pra morrer de gogo” - que não se precisa de um celular, esse caça-níquel, para se ter uma vida melhor; ao contrário.

Não estou querendo criar celeuma ou fazer tempestade em copo d’água; mas, convenhamos, há pessoas que nos incomodam quando falam ao celular. Não é só pela altura da voz. É por atenderem mesmo, ainda que peçam licença aos presentes. Se se deslocarem buscando discrição fica pior.

É inegável a utilidade de um celular, mas usá-lo mal não é nada chique. Agora mesmo, o TSE lançou mais um filmete da campanha Vota Brasil. O celular do protagonista (João Paulo) atende com a música Pour Élise - com todo respeito ao grande Beethoven, mas essa peça é muito usada em secretárias eletrônicas, atendimento de 0800 etc. e por isso virou sinônimo de espera monótona - e toda vez ele se emociona e chora ao lembrar que há quatro anos comprou aquele celular. A agência de publicidade constrói a metáfora da aquisição de celular como uma ESCOLHA: o voto pra vereador dado na última eleição. O texto em off encerra dizendo que “Quatro anos é muito tempo. Principalmente quando as coisas não vão bem. Por isso pense bastante antes de escolher o vereador da sua cidade. É ele quem vai fazer as leis e fiscalizar o prefeito nos próximos quatro anos.” Espero que você não escolha o seu vereador como se compra um celular. Ou teremos de ouvir por muito tempo essa musiquinha chaaaaaaaata.

Artigo publicado na Revista Estilo OFF em setembro/2008.